
Fizeram-me chegar às mãos um “arrepiante” parecer do conselho jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros sobre a prestação de trabalho voluntário por aqueles profissionais. Todos sabemos que nos corpos de bombeiros das nossas associações há muitos elementos que são enfermeiros, como haverá, naturalmente, muitos outros profissionais, incluindo médicos, engenheiros, advogados, agentes da autoridade, informáticos ou economistas. E, por que não, também, electricistas, motoristas, comerciais, pedreiros e carpinteiros, ferroviários, agricultores e muitos outros.
À partida, para qualquer cidadão, independentemente da sua profissão ou actividade, o exercício do voluntariado é uma vontade e um direito que ninguém, sublinhe-se, ninguém pode e deve por em causa.
Assim não pensa a Ordem dos Enfermeiros e o seu conselho jurisdicional (CJ). No seu parecer CJ 50/2012 conclui que “o regime de voluntariado obedece a legislação própria que não se coaduna com qualquer actividade profissional ou estágio”.
O CJ da Ordem dos Enfermeiros conclui também que “o regime de voluntariado não é aplicável à profissão de Enfermeiro por ser contrária à autonomia da profissão, pelo que eventuais situações devem ser reportadas ao Conselho Jurisdicional para apreciação”.
Entende aí o CJ que “ qualquer entidade que promova trabalho voluntário suprindo os recursos humanos considerados necessários à prossecução das suas actividades está em colisão com a lei, pelo que deve ser desencadeado o processo legal respectivo”.
E termina, não deixando qualquer dúvida, que “por uma questão de clareza afirma-se que não pode um enfermeiro realizar voluntariado. O cidadão, apesar de enfermeiro, ao ser voluntário é-lhe vedado o exercício da profissão”.
Depois de lido tudo isto, exige-se um respirar fundo e, apesar do espanto, o tentar passar a uma reflexão serena sobre o conteúdo e as possíveis ilações a tirar. À primeira vista, parece que os direitos constitucionais e muita legislação específica deste País, pelos vistos, terão sido suspensos. E, visto de outro modo, até que ponto cabe às organizações profissionais “velar” pelo exercício de cidadania daqueles que as compõem apenas por razões estritas.
Poderá entender-se que, por trás, estará a pretensa intenção de combater alguns “fantasmas”, nomeadamente, o exercício gratuito da actividade profissional. Mas, muito para além disso, o que de facto é posto em causa é o direito constitucional do exercício do voluntariado, sem delongas nem reservas.
A liberdade de uns termina quando passamos a atropelar a liberdade dos outros e na organização social esse princípio é determinante para garantir o pleno exercício e eficácia da subsidiariedade, da coesão e interacção dos grupos que a integram.
A “cegueira” que umas e outras vezes vai aflorando, não só não investe na consolidação e na afirmação social dos respectivos grupos, incluindo profissionais, como também gera desconforto e animosidade dispensável para com eles e, até, entre eles.
Na vida, diz-se, há limites para tudo. Por isso, de nada adianta a uns quererem ser mais papistas que o papa.