1. O futuro é aquilo que nós quisermos, dizem muitos e com alguma razão, mas só em parte. O “tempo que há-de vir” é o que gera a preocupação de muitos homens e mulheres que pensam a sua vida em função de muitas variantes: sociais, políticas, económicas e, até, habitacionais.
Mas nada disto é preocupação dos muitos que se preocupam unicamente com o seu umbigo e com o número de ganhos que conseguirão ao usurpar mais umas quantas de mais-valias. É com o horizonte, aquele espaço indefinido que está sempre muitos metros à nossa frente, que devemos interagir, pensando em formas mais sólidas de fazer uma sociedade justa e tentando sempre errar o mínimo (algo que hoje em dia, a bem de muitos, não se faz!).
2. Ray Bradbury, escritor americano, publicou em 1953 uma novela (quase romance) que tem como título Fahrenheit 451 que, se efectuarmos uma análise aos vários grupos sociais e profissionais em conflito, aposta numa oposição entre duas espécies de personagens grupais: bombeiros versus leitores. Se atentarmos na literatura mundial, e evitando os livros técnicos, poucos autores tiveram como ponto de partida os bombeiros. Imagino porquê! Se olharmos de longe, verificamos que existe pouco a dizer, visto que a sua principal função é apagar fogos e ainda dão uma mãozinha nos acidentes de automóvel, não esquecendo alguma urgência de saúde e serviço à comunidade. Tudo questões que se querem objectivas e com o menor ruído melodramático possível, logo distantes da ficcionalização e da construção narrativa. O que consegue então Bradbury nesta novela é criar um universo ficcional completamente novo que transforma os bombeiros em incendiários a mando de um regime totalitário que pretende que as suas gentes (os leitores) sejam felizes e subservientes. Os bombeiros são então os responsáveis por vasculhar as casas em busca de livros e, caso os encontrem, queimá-los. Os bombeiros são então os seres que ameaçam e que metem medo às pessoas, agentes “pidescos” que pretendem submeter as pessoas a uma vida de alegre passividade. Nada mau, não é? Pois bem, o que Ray Bradbury nos consegue mostrar é que dentro do grupo de bombeiros surgem conflitos e um dos homens que tem como missão queimar começa a ter curiosidade sobre aquilo que queima, tornando-se um leitor.
3. O que mais me impressiona na novela de Bradbury é a reformatação dos bombeiros quando no mundo deixa de haver incêndios. Cá pelos nossos cantos reais a pergunta que ecoa é esta: “E nós o que vamos ser?”
Guarda, 21 de Maio de 2012
Daniel António Neto Rocha