1. Todos conhecemos a forma directa e corajosa como tem abordado os mais diversos casos no panorama policial em Portugal. No mundo da protecção civil e dos bombeiros existem também casos que têm sido revelados e, por vezes de uma forma incompreensível, silenciados quase instantaneamente. Lembramo-nos, por exemplo, da polémica em torno do SIRESP e da acusação contra o antigo Comandante Nacional Gil Barreiros, mas poderíamos também falar sobre alguns incêndios muito mal investigados. Qual será a razão que impede os órgãos de comunicação social de darem o devido espaço de antena a estas situações?
HC – Não me parece tão justa essa avaliação. Provavelmente os casos que refere não terão tido a visibilidade que esperava, mas eu vi-os referidos nos OCS. Ou todos, ou quase. Por vezes tem a ver com a decisão editorial de cada meio, outras vezes, não é fácil aceder a informação técnica atempada, mas não vejo grande omissões nessas matérias.
2. Quais são as principais dificuldades que um jornalista de investigação criminal tem ao tentar investigar um qualquer caso que envolva forças ou agentes de protecção civil?
HC – Todos somos agentes de protecção civil. A definição é lata. Claro que é importante contactar fontes, devida e tecnicamente informadas. Em Portugal todos querem dizer muito, mas poucos sabem da matéria. Descobrir a diferença entre uma inveja comezinha e um facto real, por vezes, demora e desgasta… Alem disso, não há uma grande cultura de investimento na investigação (mesmo criminal) em determinadas áreas. Veja a diferença entre os meios que as autoridades empenham numa investigação a um fogo, por oposição a outros crimes.
3. A legislação que tem como propósito, por exemplo, castigar ou actuar sobre as causas de incêndios florestais é, quanto a si, clara e objectiva ou é manifestamente omissa e demasiado subjectiva? Pode falar-nos de outras áreas da protecção civil onde tenha também sido confrontado com este tipo de leis?
HC – O problema em Portugal é que a Legislação é sobretudo virada para a propriedade e não para o bem vida. Em tudo. Ademais, verifica-se um excesso de uso de escritórios de advogados a assessorar o desenhar das leis que o parlamento aprova. Depois, são os mesmos escritórios que irão descobrir os alçapões que as leis contêm. Portugal no seu melhor. A responsabilidade é de… ninguém, claro.
4. Tem conhecimento de casos em que haja um aproveitamento do espírito solidário das Associações Humanitárias de Bombeiros para aproveitamento pessoal ou político? Quem são os principais interessados nesse aproveitamento?
HC – Conhecem-se percursos autárquicos iniciados nos BV. Muitos. Todos sabemos que dá visibilidade emocional e ajuda a começar. Quanto aos percursos pessoais, conhecem-se uns, contam-se outros e “diz-se que” de outros. Quem conhecer detalhes que o denuncie. O Ministério Público é pago por todos nós para investigar!
5. O Portal Bombeiros.pt tem vindo ao longo dos anos a ser um receptor privilegiado de denúncias de centenas de favorecimentos e desrespeito pela legislação. No seu caso, sendo uma das faces mais visíveis do jornalismo de investigação em Portugal, temos a certeza que é também um dos intermediários deste tipo de denúncia. Que tipo de denúncias já recebeu? Conseguiu solucionar ou ajudar a solucionar algum deles? Que tipo de denúncia não conseguiu resolver? Isso pode ter resultado do “poder” da entidade envolvida?
HC – Algumas denúncias, de facto, chegam-me. Algumas. Umas consigo investigar e publicar (os fatos nomex, os carros adulterados…), outras nem por isso. As que publiquei estão aí. As outras, ficam para quando conseguir fazê-lo com factos. Sobre o “poder da entidade envolvida”, não conheço a expressão. Até hoje, tenho publicado o que investigo e pago esse preço com a própria carreira. Provavelmente teria ido mais longe…
6. Temos vindo ao longo do tempo a perder homens e mulheres devido às imposições legislativas sobre o voluntariado. No sentido contrário, temos vindo a assistir a um cada vez menor apoio legislativo ao nível dos incentivos ao voluntariado. A leitura que nós fazemos todos os dias é a de que alguém quer acabar com o voluntariado nos bombeiros portugueses. Quem poderá ter interesse neste fim do voluntariado?
HC – Vários. Concordo que haverá um interesse invisível em acabar com o voluntariado. Mas não sei quem. Há uns anos a PSP fazia o transporte de dinheiro. Hoje, quem o faz são as empresas de segurança privada. Porquê? Porque sim. Quem foi? Ninguém, claro.
7. Na sua opinião, o que aconteceria ao sistema de protecção civil nacional se amanhã todas as corporações do país decidissem fechar as portas?
HC – Nada! Não se iluda. Punham lá outros! E apareceria logo quem se oferecesse para os lugares… Porque é que protecção civil é dirigida por um general? Porque o poder político (todos) passa aos bombeiros um atestado de incompetência para o lugar e aproveita para arrumar mais uns, a quem não sabe o que há-de fazer. Coronéis nos sapadores, generais na GNR, generais na protecção civil, … enfim. Deixamos que tudo aconteça. Quando falta a luz no nosso bairro, na nossa rua, no nosso prédio, não passa nada. Só chamamos os bombeiros quando há fogo em nossa casa. No sentido lato do termo, sofremos (todos) de falta de cidadania.