Cara Cláudia Colaço, nós não nos conhecemos. Mas a tua história (vou tratar-te, respeitosamente, por tu) revolveu-me as entranhas. Fiquei incomodado. Por aquilo que de gratuito e injusto te foi dito. Porque não pudeste defender-te. Porque não tiveste culpa.
Incomodou-me perceber que ainda há demasiados portugueses que dedicam parte considerável da existência a vomitar sentenças e insultos nas caixas de comentários das redes sociais. Porque encontram nesses espasmos de insanidade alguma espécie de conforto espiritual. Enojou-me saber que houve um tipo, ao que parece taxista de Lisboa – pelo menos é assim que o verme se identifica -, que tentou homenagear-te da forma mais ordinária possível. “Mais uma puta que foi com os porcos”, escreveu ele na página de Facebook dos Bombeiros do Sabugal, comentando a tua imagem. E aposto que depois soltou uma risada fininha. Não reparou no teu olhar emotivo nem no ar garboso que projetavas naquele uniforme dos Bombeiros de Soito.
A foto que ele quis “marcar” foi publicada no dia em que morreste. Tinhas 24 anos. Um acidente vascular cerebral explica o resto. Explica tudo. Eras a mais nova de três irmãos. Frequentavas o 3.º ano de Medicina na Universidade de Coimbra e partilhavas, com o teu namorado, a paixão pelo trabalho dos bombeiros. Os mesmos bombeiros que agora te defendem. E à tua memória.
Cláudia, a tua história só é diferente de tantas outras porque houve alguém que não se ficou pela indignação das redes e agiu judicialmente para preservar a tua honra. Chama-se Gaspar Caldas e é comandante dos Bombeiros de Melgaço. Formalizou uma queixa-crime na Procuradoria-Geral da República contra o mentecapto que quis matar-te depois da morte. E inspirou os teus familiares a fazer o mesmo, porque assim obriga a lei. O comandante Gaspar Caldas, que, tal como eu, não te conhece, fez o mais correto e, ao mesmo tempo, o mais difícil. Era mais fácil ter dado lastro à campanha de ódio instalada no Facebook, alimentada por justiceiros que tinham tornado públicos dados pessoais do suposto taxista.
Sabes, Cláudia, há um mar imenso de virtudes nas redes sociais. Mas há também demasiados pisos subterrâneos ocupados por gente mesquinha, que chafurda no esgoto. Por isso, é que a tua honra, como a de tantos outros que são insultados, na maioria das vezes por covardes sem rosto, só deve ser defendida com o poder que as leis conferiram aos homens. Desta vez, foi como tem de ser. E quando digo homens, estou obviamente a excluir o invertebrado que tentou, mas não conseguiu, apagar o sorriso luminoso que esboçavas naquela fotografia. Para os que gostam de ti, é assim que serás recordada.
(Texto de Pedro Ivo Carvalho no Jornal de Notícias)