Hoje publicamos a segunda parte da entrevista concedida por João Almeida, Secretário de Estado da Protecção Civil, em exclusivo ao Portal Bombeiros.pt. Se na primeira parte (ver aqui) conhecemos melhor o homem por trás do cargo e procuramos perceber que tipo de acção tem tido junto dos bombeiros portugueses e junto das Associações Humanitárias, nesta segunda parte procurámos conhecer a estratégia futura e a reacção aos acontecimentos do Verão de 2013.
O Secretário de Estado da Protecção Civil, João Almeida, demonstrou, novamente, de forma aberta e serena, muitas vezes com a voz embargada pela emoção e pela tristeza, questões importantes sobre a reorganização do sistema de protecção civil e salientou a importância de um voluntariado forte e coeso na defesa de Portugal e da sua comunidade.
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Quais são as suas preocupações imediatas para melhorar a formação dos bombeiros?
A primeira de todas foi rever o programa de formação da Escola Nacional de Bombeiros (ENB) e adaptá-lo à nova realidade, dando prioridade a áreas formativas em que nos pareceu que era preciso aprofundar mais. Isso tem a ver com, em primeiro lugar, questões que têm a ver com o comportamento do fogo, porque nos parece fundamental que quem vai para o terreno nestas situações extremas conheça qual é que é o comportamento do fogo, como é que ele se pode desenvolver, como é que a alteração das circunstâncias climatéricas, por exemplo, pode influenciar a propagação de um fogo, quer na velocidade quer na direcção. E isso tem a ver com outra componente que nós aprofundámos no plano de formação da ENB que é a meteorologia e poderem também os Bombeiros conhecer questões meteorológicas, porque é completamente diferente nós estarmos sujeitos só àquilo que nos dizem ou podermos nós próprios saber aquilo que, se o vento mudar de direcção ou se a humidade diminui ou aumenta, representa em termos de fogo. Por outro lado, ao nível de comandamento e de chefia de equipas… Pareceu-nos uma carência clara a formação ao nível do comandamento e da chefia de equipas porque, obviamente, que quem tem a missão de comandar e de chefiar tem que ter a formação específica para isso. Algo que tem a ver não só com as questões operacionais mas também com as questões de liderança e de comandamento em si, de organização, porque depende disso não só a vida dos próprios mas também a vida dos homens que estão sob esse comando. Portanto, é fundamental alterarmos isto. Outra questão tem a ver com a descentralização. Os Bombeiros são voluntários e, portanto, não têm disponibilidade nem de deslocação nem de horário como qualquer outra pessoa que fosse profissional exclusivamente desta área e, portanto, trabalhamos com a ENB no sentido de que a prioridade seja a formação nos Corpos de Bombeiros. Só a partir de um determinado nível na Unidade Local de Formação (ULF) e só mais acima ainda nas três unidades da ENB, em São João da Madeira, Lousã e Sintra.
Está em vista a abertura de uma “Academia de Bombeiros”, especificando uma profissão que será, incontornavelmente, uma necessidade para o país (tal como as forças armadas) dadas as condições meteorológicas extremas?
Isso são questões que temos de pensar em termos de organização na ENB. Para nós, essencial neste momento foi rever os conteúdos e aproximar a formação dos formandos. Essas são as duas prioridades. Outro tipo de projectos admitimos analisá-los no futuro, naturalmente que analisamos sempre em conjunto com a ENB, com a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) e com a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), que são os integrantes da Escola. Mas, neste momento, o que nos pareceu prioritário, mais do que andarmos sempre a falar de estruturas, nós temos de falar de questões concretas e da aproximação daquilo que são os programas e daquilo que são os tempos e os locais em que a formação é ministrada aos bombeiros. Isso para nós é prioritário.
Teve este ano a experiência de ter de entregar uma condecoração aos familiares dos bombeiros falecidos no Verão de 2013. Pode relatar-nos os seus sentimentos? Estava preparado para esse momento?
Isso é muito difícil e é difícil de falar disso. Obviamente que o reconhecimento não pode nunca deixar de ser feito, mas… Naturalmente que, e foi isso que disse a esses familiares, esse reconhecimento não repara a perda que eles tiveram e… São momentos difíceis, mas, como representantes do Estado, nós temos a obrigação, e no meu caso faço-o com o maior sentimento, de transmitirmos às pessoas a palavra que pudermos transmitir, mais do que qualquer medalha ou do que qualquer diploma que têm valor. Mas, naturalmente que cada palavra, cada gesto e cada apoio que possamos dar a essa família, naturalmente, que são momentos marcantes e nunca mais nos esquecemos deles. E em cada momento de decisão de trabalho que temos nestas ou noutras áreas, é óbvio que fica presente para a vida. Eu acho que quem passa por uma experiência deste género, não só destas entregas – o meu antecessor e o Sr. Ministro da Administração Interna que estiveram em todos os funerais de todos os bombeiros que morreram no ano passado… São coisas que marcam muito e que nos aproximam para sempre destes sentimentos e de um sentimento de uma enorme solidariedade com o que é ser bombeiro e com o que é estar exposto a este risco.
Já falaram com os restantes Ministérios de forma a haver uma estratégia objectiva e séria de forma a resolver os problemas que afectam e proporcionam os incêndios florestais?
Sim, há um trabalho permanente. Nós sabemos que nós, no Ministério da Administração Interna (MAI), juntamente com os Bombeiros, com a estrutura da ANPC, com todos aqueles que por via do MAI lidam com o problema dos fogos florestais, nós estamos no fim da linha, como costuma dizer o Comandante Operacional Nacional (CONAC). Quando tudo falha, avançamos nós e obviamente que para nós é muito importante que falhem o mínimo de coisas possíveis e que actuemos o mínimo de vezes possível, porque isso representa para o país um avanço. Eu bato-me muito! Nós não queremos maximizar a estrutura do combate aos incêndios florestais, ao contrário daquilo que às vezes se diz e de um discurso, que é um discurso que eu combato com toda a energia, de que haja a intenção de alimentar uma indústria do fogo. Pelo contrário, nós só actuamos quando o resto falha. Se o resto não falhar, para nós melhor. E, portanto, obviamente que esse trabalho existe e foi esse trabalho que permitiu, por exemplo, este ano revermos o Decreto-Lei n.º 124/2006, quer no sentido da utilização do fogo e de podermos avançar e dar passos no sentido de uma utilização prudente mas útil do fogo de supressão e do fogo táctico, no sentido de podermos utilizar o fogo de uma forma positiva, e por outro lado também transpondo para a secretaria-geral do MAI aquela que era responsabilidade das Câmaras Municipais, na aplicação das coimas por ausência de cumprimento das responsabilidades dos proprietários florestais, designadamente quando não procedem às limpezas. Nós fizemos o diagnóstico de que o número de coimas aplicadas era muito curto em relação aos autos que eram levantados e, portanto, assumimos nós essa responsabilidade, porque quem é proprietário tem de cumprir com a sua responsabilidade. E se não estiver em condições de cumprir… isso tem de ser avaliado do ponto de vista público. Porque nós não podemos, por um lado, não fazer cumprir a lei e, por outro, dar um incentivo negativo a quem limpa. Quem limpa o seu terreno e vê ao lado os outros proprietários que não limparam e não acontece nada, certamente que no ano seguinte vai pensar duas vezes antes da limpeza. E, portanto, nós aí estamos a aumentar aquilo que disse anteriormente: antes de nós entrarmos no combate, estamos a deixar piorar a situação. Daí que isso implica um trabalho, designadamente com a Secretaria de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural e com o Ministério da Agricultura, no sentido de que ao nível da prevenção e da fiscalização nós nos articulemos melhor no sentido também de reduzir o número de ignições e a carga combustível das florestas. Mas estudamos outras estratégias, aí já com outros Ministério, que tenham a ver com a rentabilidade da fileira florestal no sentido de que, por exemplo, através da biomassa e da produção energética, nós possamos criar valor para aquilo que para nós é importante na limpeza das florestas e remoção dessa carga combustível. Todo esse é um trabalho em que o MAI se empenha bastante. Ao contrário daquilo que se pensa e diz, nós, que estamos no combate, somos os primeiros a querer que o investimento se faça na prevenção e no ordenamento florestal.
Pois se a prevenção não falhar, nós bombeiros não precisamos de actuar em incêndios de grandes proporções e que consomem uma grande fatia do orçamento para o combate…
Logo não vamos precisar de um orçamento tão grande, que muitas vezes é criticado também. O orçamento existe e é tão vasto porque, infelizmente, as ocorrências existem e precisamos de lhes dar resposta.
Amanhã poderia mudar tudo no mundo dos bombeiros. Por onde começava?
Como já disse, nós temos feito algumas coisas em termos de mudanças estruturais. A última, que penso que é muito importante, é a alteração ao nível dos seguros. Nós queremos, acima de tudo, alterar – para além das mudanças estruturais do financiamento e da lei de bases de protecção civil, da organização do sistema e do financiamento do sistema -, aquilo que para nós é prioritário: a segurança das forças. Portanto, é alterarmos aquilo que tem a ver com a segurança dos bombeiros: o investimento em equipamentos de protecção individual (EPI) e a questão da formação e do treino operacional. Para nós é tão importante o treino operacional como a formação, porque não basta o conhecimento teórico, é preciso vir para o terreno e criar as situações tão próximas quanto possível da realidade para de facto os bombeiros estarem preparados. E depois, no fim da linha, ao nível dos seguros, as protecções serem mais adequadas àquilo que podem ser as consequências dos sinistros que procuramos evitar. Mas, para o caso de existirem, os seguros serem o mais possível próximos daquilo que podem ser as necessidades que surjam desses sinistros. Portanto, aí claramente, para além da organização do sistema, é a segurança das forças a nossa prioridade.
Qual é o seu desejo enquanto Secretário de Estado da Protecção Civil mas também enquanto homem para os bombeiros portugueses?
O meu desejo para os Bombeiros Portugueses é que continuassem a criar-se condições para que o voluntariado possa continuar a existir. Sem prejuízo daquilo que tem acontecido, naturalmente, de haver uma justa retribuição para aquele que é o trabalho dos Bombeiros, seja ao nível das Associações Humanitárias e dos Corpos de Bombeiros, que têm os seus bombeiros assalariados, seja ao nível do dispositivo para os incêndios florestais, em que através das equipas específicas que se criam há esse pagamento e essa justa retribuição. Que tem de existir! Nós podemos proteger o nosso voluntariado criando condições de incentivo para que haja o rejuvenescimento dos nossos bombeiros voluntários e, por outro lado, conseguirmos criar condições para que o país, não só os governos mas a comunidade, reconheça essa missão extraordinária que os Bombeiros desempenham. Portanto, que nós saibamos reconhecer de todas as formas essa grande vantagem que temos de assentar a nossa estrutura de protecção e socorro em Portugal na maior gtenerosidade possível que existe, que é a generosidade de os membros da comunidade quererem ajudar o próximo. E aí, fazermos isso [a protecção e socorro da comunidade] com o sentimento, mas certamente também com a organização e com o financiamento que são necessários para esta área.
(A entrevista foi conduzida por Ângelo Santos e registada em áudio, que aqui trascrevemos com as devidas adaptações realizadas por Daniel Rocha)
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