Falar do perfil dos incendiários é bastante delicado, não só pelas características próprias desta avaliação, mas também pelas limitações associadas à identificação do universo de incendiários.
Começando por referenciar um estudo do Instituto Superior da Polícia Judiciária e Ciências Criminais (ISPJ), coordenado por Cristina Soeiro sobre o perfil do incendiário, constata que em Portugal, a percentagem de pessoas com problemas clínicos envolvidas em crimes de incêndio tem vindo a aumentar, em 2007 e 2008, passando a ser a categoria dominante (55,5 por cento), enquanto, que anteriormente, eram maioritários os casos de pessoas que agiam por vingança ou retaliação. Este estudo teve a particularidade de ter sido alargado para os indivíduos identificados pela polícia e não apenas à população prisional, visto que são raras as condenações a penas de prisão efectiva. O mesmo demonstra que tem havido um aumento de indivíduos detidos ou suspeitos de envolvimento com algum tipo de problema clínico, e também revelou ser muito diminuta a percentagem de pirómanos (enquanto compulsão sem outra motivação).
O mesmo Instituto (ISPJ) descreveu o seguinte perfil do incendiário português:
– Alguém que geralmente se situa na faixa etária dos 20 a 35 anos, são solteiros ou viúvos, têm baixos índices de escolaridade e estão desempregados (70% estão enquadrados nesta discrição);
– Pertencente ao género masculino. Só em 10% dos casos há mulheres envolvidas e geralmente são dois os motivos: problemas amorosos mal resolvidos e fascínio pelo espectáculo;
– Alguém que sofre de depressão, atraso mental ou hiperdependência do álcool (em alguns casos);
– Alguém que volta ao local do incêndio depois da chegada dos bombeiros, que até os ajuda no combate às chamas (também muito comum).
Contudo, importa referir que os incendiários envolvidos em casos de fogo posto a troco de dinheiro têm pouca expressão e os poucos incendiários que confessaram o crime por razões financeiras falaram em quantias muito baixas.
Em Espanha, o panorama é mais ou menos semelhante a Portugal. Num estudo (em 2007) a pedido da Procuradoria Coordenadora do Meio Ambiente e Urbanismo, retrata o pirómano espanhol, como um indivíduo solitário, que não recebe tratamento psiquiátrico, vive perto do local de incêndio, possui um nível de instrução rudimentar e trabalho precário, quase sempre no sector rural.
Todavia, tanto em Portugal, como em Espanha, para melhor compreensão deste tipo de situação foram definidos quatro perfis-tipo de Incendiário:
1. Incendiário expressivo com historial clínico: Indivíduos do sexo masculino, solteiros, entre os 46 e os 55 anos, com baixa escolaridade e uma profissão muito pouco qualificada, em geral relacionada com o sector agrícola ou o pastoreio. Manifestam alguma perturbação mental, como esquizofrenia ou atraso cognitivo, e provocam incêndios por vingança, frustração pessoal, problemas familiares ou profissionais. O alcoolismo está presente em muitos destes casos, assim como o desconhecimento do alcance das penas pelos seus actos. A probabilidade de reincidência é muito elevada.
2. Incendiário expressivo por atracção pelo fogo: Geralmente homem com idade inferior a 20 anos e que desencadeia o incêndio pelo prazer de observá-lo. Pode colaborar nas tarefas de extinção ou interessar-se pelos desenvolvimentos. De inteligência superior à média, costuma ser emocionalmente instável, com prováveis situações de abandono ou de abuso sexual na infância, que lhe causaram problemas médicos ou neurológicos. É quase certo que provocou mais de um incêndio, seguindo um padrão específico e bastante elaborado, que cumpre quase como um ritual.
3. Incendiário instrumental por motivos de vingança: Podem ser pessoas de ambos os sexos, inseridas numa faixa etária entre os 36 e 45 anos ou, noutros casos, terem mais de 56 anos. Normalmente, são casados e é raro terem antecedentes penais. Possuem escassa instrução académica e desempenham trabalhos pouco qualificados ou estão mesmo desempregados. Provocam os incêndios por conflitos sociais ou intergrupais, mais do que interpessoais, e costumam contar com o apoio do meio familiar ou de amigos para organizar as suas acções.
4. Incendiário instrumental que utiliza o fogo em busca de algum benefício: Indivíduo do sexo masculino, entre os 20 e os 35 anos, com uma profissão qualificada, embora sem estudos superiores concluídos. Não sofre de distúrbio mental, nem tem antecedentes penais ou cadastro por consumo de estupefacientes. Utiliza métodos muito elaborados para provocar o incêndio e procura sempre não deixar vestígios da sua presença. Provoca o incêndio para retirar benefícios económicos pessoais. Raras vezes regressa ao local do crime e não participa no combate às chamas.
Esta classificação de perfis veio permitir a extraposição de dados e compará-los entre países.
Por sua vez, nos Estados Unidos, alguns estudos revelam que mais de 40 % dos detidos por provocarem incêndios são menores. É sabido que nas crianças, o interesse pelo fogo começa a verificar-se entre os três e os cinco anos, e a primeira experiência com fósforos, isqueiros e outras fontes de ignição atinge o auge quatro anos depois. Trata-se de um comportamento normal de descoberta do mundo que as rodeia. Apesar disso, a pirómania é rara na infância e surge geralmente associada a distúrbios de comportamento, chamadas de atenção, hiperactividade ou ausência de adaptação social, e afecta apenas indivíduos do sexo masculino.
Para melhor compreensão destas situações também, não devem ser esquecidos os factores culturais, genéticos e ambientais.
Contudo à que distinguir um pirómano, e salientando o manual DSM-IV da Associação Psiquiátrica Americana estabeleceram-se cinco critérios, que têm que estar presentes:
– Contabilizar se o incendiário provocou mais de um incêndio intencional e deliberadamente;
– Averiguar se o incendiário sofreu alguma tensão emocional antes do acto;
– Observar se essa pessoa, após o delito, sentiu fascínio ou atracção por ele;
– Confirmar se o fogo posto não se produziu por interesse económico ou vingança;
– Verificar se o incendiário experimentou uma sensação de bem-estar ou de libertação ao ateá-lo e contemplar as consequências.
Todavia, José Pacheco, psiquiatra do Hospital Júlio de Matos, citado pelo Correio da Manhã, indica que o facto de “a piromania não ser uma patologia associada a intuitos criminosos faz que muito facilmente o pirómano consiga escapar ileso; a maioria dos incendiários nas cadeias portuguesas não têm distúrbios mentais e quase nenhuns chegam às instituições de medicina mental para serem sujeitos a tratamento, a menos que associem àquela outra patologia, algo que pode acontecer”.
No que diz respeito às patologias ou perturbações a Associação Psiquiátrica Americana DSM-IV associa à piromania:
– O Distúrbio explosivo intermitente: Indivíduos que se mostram incapazes de controlar os impulsos agressivos, o que conduz à destruição de bens e/ou ataques a pessoas. O grau de agressividade é desproporcionado à causa que lhe deu origem.
– A Cleptomania: Indivíduos que roubam objectos que não são necessários nem possuem grande valor económico. O cleptómano sente uma tensão crescente antes de cometer o furto e, posteriormente, uma sensação de libertação.
– O Jogo patológico: Indivíduos que sentem uma excitação crescente quando jogam, o que os levam a apostar grandes quantias. O jogo é uma forma de fugir aos seus problemas. O Ludopata costuma mentir às pessoas mais próximas e comete delitos para financiar as apostas. As relações pessoais sofrem uma grande deterioração.
– A Tricotilomania: Indivíduos que sentem uma tensão crescente antes e uma sensação de bem-estar depois. Em dez por cento dos casos, está relacionada com o distúrbio obsessivo-compulsivo. As pessoas que sofrem deste distúrbio arrancam o cabelo ou os pêlos de forma recorrente e incontrolável.
Por sua vez, quando detidos, os casos mais graves, podem ser condenados a internamento compulsivo de forma “intermitente e coincidente com os meses de maior risco de ocorrência de fogos”. Contudo, esta situação ainda não exerce os efeitos preventivos que a lei lhe concede.
Em síntese, pode-se referir que há poucos pirómanos, mas muitos incendiários e por isso é imperativo que saibamos diferenciá-los.
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Luís Miguel Afonso Andrade
Subchefe na A.H. de Bombeiros Voluntários Madeirenses,
Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria
e Pós-Graduado em Urgência e Emergência