Nesta, que é a minha primeira crónica semanal, neste espaço, quero avançar como ponto de partida com a visão que passa ao lado de muitos, inclusive, de um vasto número de Bombeiros. Uma larga maioria das pessoas esquece-se daquilo que está por detrás de um Bombeiro.
Quem desconhece a verdadeira realidade, encara estes homens e mulheres, que surgem do “quase nada”, como a esperança de um “quase tudo”, até mesmo, de dar vida a quem já não a possui.
Todavia, muitas vezes, as pessoas tendem a esquecer-se de que para que estes homens e mulheres estejam preparados para fazer o “quase tudo” os mesmos têm de se encontrar libertos de espírito, de consciência tranquila e predispostos a colocar a sua existência em risco, em prol de outra vida que, na maioria das vezes, lhes é desconhecida.
Na verdade, o Bombeiro que está em missão não sofre, não tem dores, não tem fome, não tem sono, não tem medo, não tem hora de regresso, tendo antes uma população que espera o máximo de si para socorrer quem precisa esquecendo-se que, por vezes, o Bombeiro profissional ou voluntário é também um ser humano, tal como qualquer outra pessoa.
Não é de estranhar que a nossa população possua este pensamento, uma vez que na hora do sofrimento e da agonia é impossível pensar no que quer que seja, a não ser na resolução do problema. Porém, o que causa alguma estranheza é que nos cabimentos de poder dos nossos governantes, locais ou centrais, exista esta conceção.
Numa sociedade em que cada vez mais se estudam as atitudes do ser humano por forma a rentabilizar a sua performance, não estará na altura de contemplar os Bombeiros Portugueses nesses estudos? Provavelmente até já existem, mas não existe interesse em resolver esta situação. Será que não é possível garantir uma qualidade de vida a estes homens e mulheres mínima desejada, seja através de incentivos, apoios sociais, isenções de taxas, benefícios fiscais, palavras de conforto, seja de que forma for? O que é essencial é que consigam estar à altura e disponíveis para cumprir a sua missão sem estarem consecutivamente a sair prejudicados perante quem não faz a mínima ideia do que é a responsabilidade do dia a dia de um Bombeiro.
Afinal, o que está por detrás de um Bombeiro?
O que está por detrás de um Bombeiro, ao contrário do que acontece com o mesmo, são pessoas que sofrem, que têm dores, que têm medo (…) são seres de carne e osso, os quais fazem de tudo para que este esteja com a máximo paz de espírito e de consciência tranquila. Estas pessoas é que são, sem dúvida, os seus principais pilares para poder desempenhar da melhor forma a sua missão com sucesso.
São os familiares dos Bombeiros, pessoas enormes, sem fardas, que tantas vezes se vêem privados deles, por motivo de ajuda ao próximo, sendo obrigados a abdicar da sua companhia, da sua ajuda, que em muitas situações se vêem obrigados a trabalhar mais para compensar o prejuízo que o Bombeiro tem quando está ao serviço da comunidade, a custo zero, abdicando de auferir um rendimento suplementar, em horas extras, em regime Part Time, que certamente contribuía para melhorar a sua qualidade de vida e a da sua família, numa altura em que a conjuntura financeira se apresenta como sabemos.
Já se sabe que não é fácil, mas todos estes familiares têm noção de que a ausência do Bombeiro lá de casa significa, por outro lado, a presença, isto é, a presença junto de quem mais precisa.
Os filhos, os pais, o cônjuge, são aqueles que acabam por sofrer mais com a ausência do Bombeiro, por isso gostaria que sentissem esta minha circunspeção como se fosse do(a) vosso(a) querido(a) Bombeiro(a) lá de casa. Assim, dirijo-vos estas palavras, a Vós:
“Obrigado filha(s), filho(s), obrigado queridos pais, obrigado amor, pela vossa compreensão e por toda a força que me dão para poder estar, tantas vezes, ausente, em detrimento de outrem.
Peço desculpa, especialmente, às minha(s) filha(s), filho(s), por vos deixar, inúmeras vezes, à pressa, a chorarem agarradinhas(os) à porta, após conseguir-me libertar das vossas pequenas mãozinhas, cravadas no meu corpo, rasgando-me o coração, com a vontade de vos abraçar e de ficar a brincar com vocês. Tudo era mais fácil se fingisse que não ouvia a sirene ou o telemóvel, mas infelizmente outros valores, não tão altos, mas com uma importância enorme, se elevam, o salvar vidas! Eu bem sei que passados uns minutos vocês ficam bem, pois têm uma mãe/pai maravilhosa(o) que vos conforta e que me substitui, na perfeição, ou ainda melhor, mas aquele minuto de despedida à pressa não faz bem, nem a mim nem a ti, desculpem o pai/mãe!”
Com este mais que reconhecido agradecimento, termino dizendo que por detrás de um grande Bombeiro, está sempre uma grande família.
Carlos Silva
Comandante do Corpo de Bombeiros de Óbidos