As histórias repetem-se em cada ano. Já é lugar comum abordá-las mas, em meu entender, será fundamental continuar a fazê-lo, até que a opinião pública e a própria comunicação social, de vez, saibam da verdade e reconheçam-na entre outras mensagens intoxicantes e inibidoras produzidas por quem tinha responsabilidades, devia ter actuado em conformidade e não o fez, nem em tempo, nem em força.
Falo obviamente do combate aos incêndios florestais e das sucessivas e abusivas tentativas de associar os bombeiros a momentos menos felizes vividos no seu decurso.
É sabido que os bombeiros são o fim da linha de um conjunto de acções que, ou não foram executadas, ou foram-no de forma tão mitigada que não surtiram qualquer efeito.
As regras da prevenção deveriam fazer parte da cartilha de todos nós, enquanto cidadãos em geral, enquanto agricultores e produtores florestais. Há muito que esta questão deveria ter sido declarada como estratégica e tornada realidade.
Todos conhecemos o elenco de razões que têm dificultado o ordenamento da floresta. Desde logo, devido ao abandono do mundo rural. Depois, o demasiado fraccionamento da propriedade agrícola e florestal. E mais razões se apontam no mesmo sentido.
No meio de tudo isto, o ancestral hábito, que se perdeu, de limpar os pinhais para acautelar os fogos e simultaneamente “atapetar” os caminhos das aldeias, reaproveitando depois para os campos, e fazer as camas dos animais. Esse é um registo da minha infância, mas já fora da actualidade por razões conhecidas. Sendo certo que, em alternativa, não foram encontradas outras soluções e os equilíbrios que esse conjunto de acções suscitava.
Hoje, a propriedade, em muitos casos e por razões sobejas, permanece abandonada. Arde, perde-se, mas o prejuízo, longe de afectar apenas o seu proprietário, acaba por custar a muitos. Desde logo, aos proprietários vizinhos e, no fundo, a todos nós, tendo em conta os meios postos à disposição no combate ao incêndio que ali tenha ocorrido, suportados com os nossos impostos, e ao próprio esforço daqueles que, sendo bombeiros, com denodo também lutam e apoiam sem olhar a quem.
Nos últimos dias estive na serra de Tavira, no Cachopo e em muitos outros lugares atingidos pelo violento e extenso incêndio que ali se registou. São quilómetros de desolação, de prejuízo natural mas também prejuízo para as economias locais. Durante os dias que o fogo ali lavrou o assunto foi tema de notícias e o espectáculo fantasmagórico da chuva de cinzas e do vermelho do céu perturbou quem passava pela 125 ou pela A22. Hoje, o fogo passou, ficou o silêncio mortal da vida que se extinguiu por aquelas paragens e por muito tempo. Mas esse luto já só se faz no sítio. No litoral, nas praias, tudo voltou ao sossego anterior. Da serra já pouco se fala e a paisagem negra o próprio sol e a luz do dia vão escondendo. Como aconteceu noutros anos e noutros sítios do país onde depois do fogo passar ficou o esquecimento.
Dos inquéritos em curso é bom que algo se saiba e, melhor, se faça, para que não volte a acontecer o que sabemos. E, de uma vez por todas, se expliquem os gritos lancinantes dos moradores que nas televisões lamentavam a ausência dos bombeiros naquele local, como se fosse uma situação generalizada e nada mais houvesse a dizer ou a mostrar.
Esta história vai ter que ter um fim. Se assim acontecer, poderá fazer com que algo mude. E que outras histórias tenham também um fim.
Não deixemos chegar o fim do Verão e, como aconteceu quase sempre, a culpa volte a morrer solteira, e os bombeiros voltem a ser o bode expiatório de quem não fez o que lhe competia.