Por vezes faz bem relembrar a nossa condição humana. Humilde, exígua, limitada face à imensidão que nos rodeia, obra suprema do Criador. Invejo aqueles que, neste “terceiro calhau a contar do Sol”, possuem a capacidade de ver e alterar aquilo que outros veem mas não querem admitir sua existência. Saramago tinha razão naquele seu Ensaio que há bem pouco tempo reli: “Queres que te diga o que penso, penso que não cegámos, penso que estamos cegos, cegos que vendo não veem.”
Todos nós assistimos, impávidos e serenos, lamentando apenas a ceifa cruel da morte que se alastrou de corporação em corporação, à mediática transmissão de imagens gritantes, chocantes, que se alastraram à velocidade da luz por esse mundo fora. Espetáculo deprimente que nos leva a pensar nos limites da informação e da transmissão fácil, da imagem vil, provocadora e chocante face a um auditório cada vez mais consumidor de tragédia humana.
Todos os que viram e assistiram in loco ao louco dia a dia vivido intensamente por milhares de homens nos teatros de operações espalhados de norte a sul, que reclamaram incessantemente por um bombeiro naquele preciso momento, não foram capazes de ver as suas obrigações, os seus deveres de cidadãos perante uma Nação que vai definhando ano após ano por causa das cicatrizes profundas, sulcadas a negro na paisagem agreste.
Todos os que viram promulgar, à frente dos seus olhos, “resmas” de cláusulas preventivas, prenunciadoras de uma metamorfose profunda de atitudes face a agruras cíclicas em época estival, não foram capazes de ver a inércia instalada num País medievo, que ainda vive à custa do “favorzinho político”, da subserviência e submissão, esquecendo que a modernização não se compadece com meras intenções de mudança.
Todos os que viram na tragédia uma oportunidade de mediatismo populista, de uns minutos medíocres de atenção, não foram capazes de ver que o auditório já não se alimenta de parágrafos de texto bem elaborado, reluzente mas simultaneamente oco de sentido, porque o auditório letrado ouve uma coisa mas vê outras, bem distintas da “falsa realidade” que nos fazem crer existir.
Cegos? Cegos são todos aqueles que, apesar de saberem que nós sabemos que eles sabem que já não acreditamos nas hipócritas falácias proferidas diariamente, ainda acreditam e julgam ver um manso auditório, de brandos costumes, pronto para a carnificina. Cegos seremos afinal todos nós, que apesar de vermos um País doente, febril, em estado de pré-coma, não conseguimos ver que a recuperação do enfermo está em nós mesmos se formos capazes de cumprir com obrigações e apelar às responsabilidades de cada um.
José Brás
Ex-Comandante; Professor