O Secretário de Estado da Protecção Civil, João Almeida, concedeu uma entrevista exclusiva ao Portal Bombeiros.pt onde abordou, de forma aberta e serena, muitas vezes com a voz embargada pela emoção e pela tristeza, questões importantes sobre o passado, o presente e o futuro dos bombeiros portugueses e da protecção civil.
Hoje publicamos a primeira parte dessa entrevista que, dada a sua extensão e importância, merece ser lida com atenção. Nesta primeira parte, conhecemos melhor o homem por trás do cargo e a procuramos perceber que tipo de acção tem tido junto dos bombeiros portugueses e junto das Associações Humanitárias.
Quem é João Almeida?
Sou licenciado em Direito e terminei a parte curricular no Mestrado em Economia de Políticas Públicas já estava nestas funções. Estou ainda para entregar a tese. A minha formação académica é esta. Faço política há alguns anos. Fora da política, estive ligado a escritórios de advogados, já tive projectos empresariais e estive ligado ao futebol. Fui fazendo outras coisas. Felizmente neste momento tive a sorte de ter sido desafiado e de ter recebido um convite que muito me honrou para servir o país em funções governativas numa área que é uma das melhores para exercer este tipo de funções, uma vez que estamos no centro daquilo que é a acção e o que deve ser a acção política de trabalhar para o bem comum. E, nesta área, trabalhamos pelo bem comum e eu tenho um enorme privilégio de trabalhar nesta área. Mas não é só esta área sobre a qual tenho a tutela.
Falando de bombeiros, somos uma pequena fatia da protecção civil…
Uma pequena fatia não diria, são uma fatia muito grande, felizmente. E são essenciais! São essenciais às missões de protecção e socorro, e nós temos esta especificidade de em Portugal assentarmos [essas missões] no sistema de voluntariado. O que naturalmente é algo exemplar do ponto de vista do funcionamento mas também coloca desafios, como todos sabemos, antes de mais aos próprios operacionais. Os maiores desafios são colocados aos próprios bombeiros e depois isso também se transfere para os Comandos, para as Associações e no fim também para a tutela política.
Hoje em dia existe muito contacto entre a entidade detentora e também o Secretário de Estado e o Ministério?
Sim, por via directa ou por via das estruturas representativas.
…cada vez mais a exigência e o rigor assim o exigem?
Sim, a exigência e o rigor, mas também a proximidade. Eu valorizo muito a proximidade. Gosto de estar próximo, gosto de sentir aquilo que se está a fazer, que se está a trabalhar. De saber no terreno qual é a avaliação que se faz daquilo que nós muitas vezes decidimos e que trabalhamos. Por isso, existe essa exigência de rigor, mas também um sentido de proximidade que é muito importante.
O que mais o marcou nestes primeiros meses enquanto secretário de estado?
O que me marca desde o início, não imaginando à época que ia exercer estas funções… Acompanhei muito o Verão passado e aquilo que se passou no terreno. Não só com os bombeiros que morreram mas com aqueles também que sofreram lesões graves. Eu gosto sempre de os lembrar, porque infelizmente… Os que morreram e que já não estão entre nós, claro que atingiram a situação limite e a pior de todas, mas, infelizmente, há outras situações de sofrimento de que nós nos devemos lembrar. E, portanto, eu tinha memória ainda muito próxima deste Verão quando fui convidado para estas funções e desde o início que aquilo que mais me marca ao lidar com os Bombeiros Portugueses é exactamente a memória disso e de fazer tudo o possível para que nos afastemos deste tipo de situação e que possamos criar condições para evitar que o que sucedeu se volte a repetir. E isso são muitas coisas, não é só uma solução, como nós sabemos. Quem acompanha [este tema] sabe que há muita coisa a fazer para tentar evitar situações como aquelas.
Antes de assumir a Secretaria de Estado da Protecção Civil tinha noção da extensão e complexidade dos problemas que a atingem?
Tinha, sinceramente tinha! É impossível, estando atento em Portugal e estando na actividade política, não conhecer! Tenho noção da importância da actividade dos Bombeiros e, como já lhe referi atrás, o facto de assentar no voluntariado faz com que seja uma estrutura complexa que coloca muitas questões. Mas, a complexidade não me assusta e nós estamos cá para trabalharmos para resolver as situações. O que mais valorizo é, e de facto tem uma carga sentimental grande servir nesta área, a generosidade do trabalho [dos bombeiros], a generosidade do [seu] dia-a-dia, e fazer passar para a sociedade também que os bombeiros são muito mais do que as pessoas que estão numa situação extrema quando estão a combater os incêndios florestais, pois têm muito mais que o país merecia conhecer e que muitas vezes eu lamento-me e queixo-me nas minhas intervenções [por não ser do conhecimento de todos]. Eu gostava que aquilo que é ser bombeiro fosse mediatizado não só na dimensão dramática dos incêndios florestais mas também em todas as outras missões e em todo o espírito que é ser bombeiro e que é ser familiar de bombeiro, que é algo muito importante perceber que os bombeiros não existem sem as famílias e que não há bombeiros sem a comunidade. E perceber que tudo isto é o sistema de voluntariado português! É algo pelo qual eu me vou batendo também e que tem a ver como sinto trabalhar nesta área.
Tem tido um contacto frequente com as Direcções das Associações Humanitárias. Quais são as principais preocupações que lhe têm comunicado?
As principais preocupações têm a ver com a resolução de alguns problemas concretos. Para além dos que já resolvemos, há outros que têm a ver, e um que é essencial por um lado, com o transporte de doentes, porque, da maneira que está estruturado o financiamento dos Bombeiros, naturalmente que a sua actividade nos transportes de doentes é muito importante para garantir a sustentabilidade das Associações. Eu tenho dito muitas vezes que o país tem de saber que isto não é uma benesse que se dá aos bombeiros. Se se tivesse de pagar aquilo que é a missão desempenhada pelos bombeiros através de um corpo profissional sustentado pelo Estado, o custo seria muito maior do que a contratualização com os Bombeiros de certas e determinadas missões (como é o transporte de doentes não urgentes) e permitir assim o financiamento [das Associações]. Por outro lado, também, há duas questões que para mim são essenciais: o financiamento dos Corpos de Bombeiros – através de uma lei de financiamento que estabilize a relação financeira entre o Estado, as Associações e também os privados, que devem contribuir para esse financiamento -, e também ao nível da estrutura, de toda a estrutura de Protecção Civil e de Bombeiros, com a questão da lei de bases de Protecção Civil. São duas questões estruturantes que acabam por a partir daí desenvolver outras. E [volto a referi-lo] uma muito específica e relacionada com o transporte de doentes. Claro que depois falamos de todas as outras que têm a ver com formação, com equipamento de protecção individual, com o parque de viaturas, com as instalações, com os incentivos ao voluntariado… Todo um conjunto que, felizmente, ao longo destes meses – menos de seis mas parecendo mais – que têm sido intensos, tenho discutido não só com as Direcções e os Comandos, mas também, num registo de proximidade, sabendo o que os bombeiros pensam.
Os Bombeiros de Famalicão da Serra têm uma “espécie de quartel” sem condições para receber os homens e mulheres da corporação. Este ano, e depois de uma candidatura aos programas de apoio, a sua candidatura à construção do seu quartel foi recusada, enquanto outras candidaturas que dizem respeito a construções de novos quartéis (2.º ou 3.º edifícios) de outras corporações foram aprovadas. Há preferências, no seio político, por algumas corporações, sendo outras consideradas de segunda linha? Ou não existe noção das condições em que a maior parte, e Famalicão da Serra em particular, das corporações vive?
Conheço bem a situação de Famalicão da Serra. Aquilo que aconteceu foi que há regras para a atribuição de fundos comunitários e, portanto, foi por isso que, infelizmente, não foi só Famalicão da Serra [a não ver aprovada a sua candidatura]. De todas as obras candidatadas à mesma linha a que se candidatou Famalicão da Serra, apenas Ílhavo é que foi aprovada. Numa primeira fase todas as outras foram recusadas. É, de facto, a construção de um quartel novo em Ílhavo. Mas, nós tentámos, caso a caso e por iniciativa do Ministério da Administração Interna (MAI), recuperar cada uma daquelas candidaturas. Para isso, era necessário ter aquilo que do ponto de vista dos fundos é chamado de “maturidade”, ou seja, o terreno ser pertença da Associação Humanitária, haver projecto, ter as especialidades, ter tudo pronto para que a candidatura fosse aprovada. Infelizmente, conseguimos recuperar algumas, mas não conseguimos recuperar Famalicão da Serra porque não tinha essa “maturidade”. Agora, temos perfeita noção da prioridade de Famalicão da Serra e no próximo quadro comunitário esperamos que haja condições do ponto de vista do QREN, que assumirá o nome de “Portugal 2020”, para que nós possamos ter as condições para fazer esta intervenção. Para nós é prioritária! Não foi pelo MAI nem por critérios político-partidários ou outros quaisquer [que a candidatura não foi aprovada]. Famalicão da Serra está identificada pela Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) como uma prioridade. Nós procurámos, infelizmente por razões técnicas que têm a ver com o projecto não foi possível ter todos os requisitos a tempo de ainda neste quadro comunitário apoiar a construção do quartel. Mas conheço muito bem a situação de Famalicão da Serra.
(ler AQUI 2.ª parte da entrevista)
(A entrevista foi conduzida por Ângelo Santos e registada em áudio, que aqui trascrevemos com as devidas adaptações realizadas por Daniel Rocha)