O mais grave incêndio dos últimos dias foi vivido em Ourém, onde as chamas encontraram um mato seco que lhes serviu de rastilho para ameaçarem tudo e todos. E ceifar uma vida.
O pânico e o desespero ainda impera na noite desta segunda-feira nalgumas povoações da linha de fronteira entre os concelhos de Pombal e Ourém, onde as chamas mataram um homem que defendia uma exploração avícola. Um pouco por todo o lado, viam-se moradores em guarda, armados com mangueiras e baldes de água.
Na Urqueira (Ourém), uma das aldeias mais fustigadas pelo incêndio, era bem visível o rasto da destruição. A fúria das chamas não poupou, na madrugada de segunda-feira, uma fábrica de tubos em polietileno, a Urcaplás. Ao final da manhã, Bruno Valente, com duas décadas dedicadas à empresa, não escondia a tristeza por ver as chamas a consumir o que restava da fábrica. “Ficou tudo destruído”, dizia o trabalhador que esperava que o patrão regressasse de Moçambique para saber do seu futuro.
Também Carlos Pinto lamentava a destruição. “Estivemos cá toda a noite de domingo a tentar salvar a empresa, mas já passavam das duas e meia da madrugada quando as chamas atingiram a fábrica”. Lamentava a ausência de bombeiros no local. “Passou aqui um carro dos bombeiros que ainda chamou por ajuda, mas, como não veio ninguém, acabaram por não conseguir fazer nada”, frisa.
Noite muito difícil
Para Paula Leitão, a noite de domingo para segunda-feira “foi muito difícil”. “O que nos valeu foram os bombeiros da Urqueira”, ironizava, referindo-se aos moradores que tiveram de recorrer a todos os meios de que dispunham para “salvar as casas”. “Os bombeiros deveriam andar muito ocupados noutros sítios, aqui não estiveram”, comentava.
O cenário de destruição expande-se pelas diversas povoações de Espite e Resouro. A terra queimada é a prova mais que evidente de que, em diversas ocasiões, as chamas estiveram praticamente dentro das casas. Os quintais das habitações são agora terra queimada e nos terrenos as ervas transformaram-se em cinzas.
Paulo Fonseca, presidente da Câmara de Ourém, calcula que “talvez mil casas” tenham sido “lambidas pelo fogo”. “E acho que não estou a exagerar”.
Em Resouro, um lugar da freguesia de Urqueira, os moradores ainda choram a morte do proprietário do aviário local. No domingo à noite, o homem, de 54 anos, estava com o filho a guardar a exploração avícola. Com o aproximar das chamas, acabaram por fugir cada um para seu lado. O empresário foi encontrado na manhã de ontem carbonizado.
“Não há palavras para descrever o que passámos e o que sentimos”, diz o vizinho António Santos, com a voz embargada pela emoção. Não é difícil encontrar na zona quem garante não esquecer a visão das aldeias iluminadas na noite pelas chamas. “Foi uma tragédia, uma coisa horrível”, diz Maria Albertina Santos, encolhendo-se.
Na freguesia vizinha de Albergaria dos Doze, pertencente ao concelho de Pombal, o cenário também é desolador. Durante todo o dia de ontem, as chamas não deram tréguas aos bombeiros que, auxiliados por meios aéreos, tentavam posicionar-se para salvaguardar as habitações.
Aqui os moradores ainda recordam com tristeza o ano de 2005, quando os incêndios destruíram tudo o que apanharam pela frente. “Há sete anos já tinha ardido isto tudo e agora estamos a viver o mesmo”, disse Leonel Silva, acrescentando que “o mato está todo seco, não há bons acessos e onde o fogo pega parece pólvora”.
Incêndio complexo
A meio da tarde desta segunda-feira, o secretário de Estado da Administração Interna, Filipe Lobo D’Ávila, deslocou-se a Ourém. “É um incêndio complexo que, ao longo destas 24 horas, tem sofrido diferentes orientações do vento, o que dificultou o combate”, resumiu. Contudo, o governante considerava que “as perspectivas” de evolução da situação já eram “animadoras”. O certo é que, às 18h30, a Autoridade Nacional de Protecção Civil dava a conhecer que o incêndio apresentava ainda quatro frentes activas. Continuava a mobilizar o mais de 580 operacionais, que eram auxiliados por mais de 160 veículos e dois helicópteros bombardeiros.
“Gravíssima situação de catástrofe” é como a Câmara de Ourém classifica o que as populações do concelho viveram perante a “expansão descontrolada” de um incêndio que, no início da tarde de domingo, começou a deixar um rasto de destruição. O pânico e o desespero começaram então a visitar os habitantes de diversas povoações, que tardam a reconquistar o sossego.
O vereador da Câmara de Ourém, Nazareno do Carmo, lançou um apelo à solidariedade de todos os munícipes e empresas locais. “Na situação de contenção que neste momento lhe está imposta” o município não consegue “encontrar soluções para a catástrofe”, daí que tivesse lançado um apelo à colaboração de quem possa dispensar bens alimentares para os cerca de seiscentos combatentes que se encontravam no terreno. Também o município vizinho de Leiria lançou um apelo de solidariedade aos munícipes, empresas e restaurantes, para “contribuírem com bens alimentares”.
Segundo Raquel Faria, do Gabinete de Comunicação da Câmara de Ourém, o município está a efectuar um levantamento dos danos provocados pelo incêndio, que deverá ser tornado público em breve. “Para já, sabe-se que foram destruídas duas habitações”, estando a funcionar no Centro de Negócios de Ourém uma “unidade de apoio às populações que tenham ficado desalojadas”.
Queda de helicóptero
Durante o combate desta egunda-feira, um helicóptero bombardeiro pesado Kamov-32 que actuava no teatro das operações sofreu um acidente, no momento em que procedia ao enchimento do balde numa lagoa junto ao parque de merendas da freguesia de Espite, em Ourém. O alerta foi dado por um cidadão que se apercebeu da queda da aeronave. Abílio Marques ouviu um “barulho anormal no motor” e dirigiu-se ao local onde deparou com o helicóptero tombado para o lado direito. “O piloto e co-piloto saíram pelos próprios pés e pediram-me para chamar o 112”, disse, acrescentando que apresentavam algumas escoriações. As vítimas foram transportadas ao Hospital de Santo André (Leiria) por precaução. Fonte da Empresa de Meios Aéreos assegurou ao PÚBLICO que o piloto combatia fogos há sete anos e que, até agora, os Kamov não registaram qualquer problema técnico. com M.O.
Mais quatro aviões
Portugal pediu nesta segunda-feira ajuda para combater os incêndios florestais através do Mecanismo Europeu de Protecção Civil e, no próprio dia, Espanha disponibilizou dois Canadair.
Já participaram no combate ao fogo de Tomar, um dos quatro que a Autoridade Nacional da Protecção Civil considerava “mais complexos” ao final da tarde, quando se mantinham activas 18 ocorrências.
Nesta terça-feira devem chegar mais dois aviões pesados franceses, que irão permanecer no país nos próximos dois dias em que vão continuar as condições meteorológicas propícias à propagação de incêndios. Os fogos voltaram a lavrar por todo o país, afectando sobretudo os distritos de Viseu, Guarda e Santarém. Pelo menos cinco incêndios já vinham da véspera.
O incêndio de Ourém provocou uma vítima mortal e outros obrigaram várias pessoas a recorrer a unidades de saúde com queimaduras ligeiras e intoxicações pelo fumo. Muitas estradas foram cortadas e a circulação de comboios esteve condicionada.
O comandante operacional distrital de Viseu, António César da Fonseca, confirmava que, ao longo do dia, tinha havido várias populações ameaçadas pelas chamas.
“Não houve nenhuma operação de evacuação, porque não deu tempo. Com o vento forte, a velocidade de propagação era muito grande”, explicava o responsável. Na Guarda, a Protecção Civil concentrava atenções no fogo que começara na noite de anteontem em Carragozela, Seia.
“O incêndio ainda está a evoluir com alguma intensidade. Apesar de o sol já se estar a pôr, as condições meteorológicas ainda são desfavoráveis. Só poderemos fazer alguma coisa durante a noite”, estimava o comandante distrital da Guarda, António Fonseca.
FONTE: Mariana Oliveira – Publico.pt