
Foto: Pedro Correia/Global Imagens
Contestação à Direção dos Voluntários do Porto arrasta-se desde 2019. Comandante admite que situação da corporação é “insustentável”.
Há meses que a corporação da Real Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários do Porto não assegura serviços de socorro, à exceção de fogos. Com o despedimento de nove funcionários, entre os quais sete bombeiros (incluindo o comandante José Carlos Coelho) e dois telefonistas, há dias, como o domingo, em que não há operacionais para responder aos pedidos de ajuda.
Numa altura em que a contestação à Direção da Associação Humanitária sobe de tom, está marcada, para hoje à noite, uma assembleia-geral que prevê a mudança de estatutos.
Segundo a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, houve uma inspeção à corporação e o JN sabe que avançou para o Ministério Público o pedido de destituição da Direção. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, há dois inquéritos a correr no Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto: “Encontram-se em investigação, sem arguidos constituídos, e estão sujeitos a segredo de justiça externo”.
Além de despedimentos “ilícitos, com base em processos disciplinares”, Gustavo Pereira, presidente da Direção dos Bombeiros Voluntários do Porto, é acusado pelos queixosos de ter tomado posse da associação “de assalto”, de ter feito desaparecer equipamentos de proteção individual dos bombeiros, assim como rádios e aparelhos respiratórios das viaturas de socorro.
Situação está “insustentável”
No rol das acusações consta ainda “uma ida à Alemanha do presidente e do tesoureiro da Direção para comprar uma ambulância que, embora tenha sido paga pela associação, nunca foi entregue”.
O JN tentou, sem sucesso, falar com Gustavo Pereira.
Os bombeiros que “por amor à camisola” ainda vão assegurando os piquetes criticam a “morosidade da justiça” e contam que o dia a dia na instituição “está insustentável”. “É uma vergonha o que se está a passar nesta corporação centenária”, reclama Iva Mendes, 37 anos, há 13 na corporação, contando que “basta não haver tripulantes e a ambulância do INEM já não sai do quartel”.
Sem conseguir recordar-se de qual foi o último serviço que fez na rua, destaca que “os únicos casos a que a corporação continua a dar resposta é quando há fogo”. Mas, faz o reparo: “Os voluntários estão cansados desta situação que já se arrasta desde 2019, e começam a não aparecer”.
O comandante, José Carlos Coelho, confirmou ao JN que “toda a gente está cansada da situação insustentável” que se vive na corporação, salientando que, depois dos “despedimentos ilícitos”, pode contar “apenas com um bombeiro assalariado”. “A situação em que vivemos é muito má”, juntou.
Reunião Polémica
Já Paula Silva, 39 anos, uma das bombeiras que foi despedida “de forma ilícita”, não compreende “como as autoridades não intervêm de modo mais célere quando todos os dias são cometidas ilegalidades pela Direção”. E deu como exemplo a última assembleia-geral, para aprovação de contas, que aconteceu o mês passado por zoom (via Internet), “em que não foi dado acesso à maioria dos sócios para participarem online”.
Jaime Madureira, que diz ter sido “corrido” do cargo de presidente por Gustavo Pereira, em 2019, foi um dos sócios que contestaram a reunião e aguarda que “em janeiro [para quando está marcado o julgamento contra o atual presidente] seja feita justiça”. “Acusaram-me de coisas que não conseguem provar, mas eles é que estão fartos de fazer aldrabices”, sublinhou.
566 mil euros é o montante de “capitais próprios largamente positivos”, que consta do relatório e contas de 2020 da corporação.
Não aceitam sócios
Na base da contestação de sócios e bombeiros está também o facto da atual Direção não estar a aceitar novos sócios, “para não permitir o aumento de massa crítica”. Mais de uma centena de pessoas terão também recebido cartas a avisar que deixaram de ser sócios por falta de pagamento de quotas.
Irregularidades
Os sócios apontam ainda que o mandato do Conselho Fiscal da Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Porto terminou em 2019, pelo que este também deixou de ter legitimidade para emitir quaisquer pareceres, o que continuará a fazer.
Questionada pelo JN sobre apoios financeiros aos Bombeiros Voluntários do Porto, a Câmara do Porto esclareceu que “atribuiu a cada uma das duas corporações de bombeiros voluntários [do concelho] um apoio até 40 mil euros, a transferir mediante comprovativo de despesas”. Essa verba “visa a prestação de serviços de socorro complementares, mediante a solicitação da Autarquia”. Ainda de acordo com as informações da Autarquia, no âmbito do protocolo estabelecido com a Câmara, os Bombeiros Voluntários do Porto “têm assegurado as saídas de socorro em ação complementar ao Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto, tendo realizado desde o início do ano mais de uma centena de saídas”.
Fonte: Jornal de Noticias