Ano após ano, chega o verão, o país transforma-se num braseiro e o discurso oficial repete-se como um sermão mal decorado. As serras incendeiam-se, o fumo sobe aos céus, e as instituições que juram “defender” os bombeiros surgem em palco, não para lhes dar o comando, mas para lhes segurar na trela, como se fossem meros figurantes num combate que conhecem melhor do que ninguém.
Em teoria, defendem a bandeira da valorização dos bombeiros. Na prática, entregam o comando e a coordenação a outros, mantendo os que conhecem o terreno e a realidade na segunda fila, de braço no ar, à espera de ordens que muitas vezes chegam tarde… ou nunca chegam.
Enquanto isso, entidades como a UEPS da GNR e a Força Especial de Proteção Civil já operam com comando único, exatamente o modelo que há anos é reivindicado para os bombeiros. Só que, inexplicavelmente, para eles não há comando único, não há voz de liderança no terreno, não há decisão centralizada e, muito menos, quem defenda a sua imagem institucional. Há apenas a promessa eterna de que “um dia” se vai concretizar… promessa que envelhece mais depressa do que as próprias florestas a arder.
No meio disto, a AGIF gere milhões de euros para “planeamento, gestão e coordenação” do sistema. Milhões que, supostamente, deveriam traduzir-se em eficácia, mas que, ano após ano, parecem dissolver-se na burocracia e no marketing institucional, enquanto no terreno se luta com meios insuficientes, veículos com mais de 30 anos, botas rotas e um par de calças que é lavado ao chegar ao quartel… apenas para voltar ao fogo horas depois.
Ironia das ironias: há vozes de vários quadrantes que criticam ferozmente a estrutura oficial responsável pela coordenação dos incêndios, apontam falhas de comando e falta de eficácia, fazem comunicados inflamados… mas no fim, nada muda. Manda-se umas cartas, organiza-se uns “encontros” e pronto, mais um verão “de lições aprendidas” que nunca se aplicam.
Fica a sensação amarga de que há quem viva melhor com a polémica do que com a solução. Porque resolver implica trabalho, coragem e, sobretudo, mexer em interesses instalados. E isso, convenhamos, dá muito mais trabalho do que escrever um comunicado indignado ou dar uma entrevista de ocasião.
Enquanto isso, no terreno, os bombeiros continuam a fazer o que sempre fizeram: chegar primeiro, arriscar tudo e salvar o que é possível salvar. Sem comando único e com a constante sensação de que são usados como bandeira… mas nunca como timoneiros.
No final, o país inteiro arde, as estruturas voltam a criticar-se mutuamente e o ciclo repete-se. Talvez um dia se perceba que “defender os bombeiros” não é escrever palavras bonitas, é dar-lhes o valor que merecem e que já provaram saber exercer. Até lá, o teatro continua, o guião é sempre o mesmo… e o fogo agradece.