A iniciativa é solidária, com o objetivo de apoiar também a Mary’s Meal Portugal que se foca na alimentação escolar em comunidades mais pobres.
Passaram quase dois meses e ainda é difícil falar da tragédia que envolveu a corporação de Bombeiros da Covilhã. Um bombeiro morreu e quatro ficaram feridos com gravidade depois do acidente da viatura em que seguiam na aldeia de São Francisco de Assis. Aconteceu a 17 de agosto, quando as chamas lavravam descontroladas e com grande intensidade na zona centro do País.
Leonel Felisberto, de 40 anos, não consegue recordar esse dia sem se emocionar. “Estava a combater o mesmo incêndio, mas a vários quilómetros de distância, quando soube da notícia. Foi na minha terra, a minha mãe viu tudo e achou que eu seguia no carro”, conta à NiT.
Há mais de 20 anos que é bombeiro na região. Começou como assalariado, mas em 2019 passou a voluntário porque tinha concluído a formação em enfermagem e conseguido emprego no serviço de urgência do Hospital da Covilhã. Desde aí que se divide entre as duas profissões.
Nos bombeiros da paz é chefe de carreira e por isso teve “de parar o carro para contar à equipa o que tinha acontecido”, explica. Durante uma hora conversaram, choraram, desabafaram. “Não podia obrigar ninguém a continuar no fogo, mas também não podia dizer à população que ia retirar as equipas. Decidimos em conjunto avançar e continuar no combate”.
Uma das fases mais difíceis, recorda, foi ver a cama dos colegas. “Mas temos de seguir em frente, preservando a memória deles, não é o alguém ocupar aquela cama que ocupa o lugar da pessoa”.
E, por isso, em homenagem aos colegas, vai correr 170 quilómetros desde o quartel dos Bombeiros Voluntários da Covilhã até ao Santuário de Fátima. “Quero mostrar que há sempre uma luz por mais difícil que nos pareça o caminho”.
Um dos colegas continua internado no hospital de Coimbra. Os outros já estão em casa a recuperar. “Não falo em voltar ao trabalho, mas voltar à vida normal deles, a nível físico e psicológico”, diz Leonel Felisberto.
A partida está marcada para sexta-feira, 10 de outubro, às 9 horas. Espera demorar “24 a 30 horas, mas o tempo não conta, por isso quero é chegar”.
A ideia surgiu no início do ano em conjunto com um colega. Queriam fazer a corrida depois da fase dos fogos florestais, como forma de agradecer a Nossa Senhora de Fátima. “Eu sou devoto e já fiz algumas viagens, incluindo uma de 140 quilómetros no ano passado”.
No entanto, depois do trágico acidente, esta tornou-se numa corrida de homenagem. “O meu colega já não conseguiu preparar-se, mas vai acompanhar-me na fase final, durante a noite”, conta. Leonel Felisberto vai ter sempre um carro de apoio com outros três bombeiros.
A preparação já começou há muito tempo até porque costuma fazer ultramaratonas. Ultimamente os treinos acabaram por ser mais dedicados a este desafio. “Fiz seis dias na Serra da Estrela, numa espécie de estágio com o meu amigo José Monsanto que vai para o mundial de Backyward Ultra nos Estados Unidos”. É uma corrida de resistência que só termina quando sobra um atleta em pista, o que pode levar vários dias.
Depois, o bombeiro fez treinos de estrada entre os 20 e os 30 quilómetros. Tem também cuidado com a alimentação porque “cada quilo conta”. A parte respiratória acabou por ser uma dificuldade. “Sofri imenso por causa dos incêndios e tive uma infeção”, recorda.
Sente-se bem, preparado a nível físico e psicológico, e pronto para enfrentar os 170 quilómetros que “não precisam de ser sempre a correr, posso fazer um bocado a andar e também descansar se precisar”.
A iniciativa tem também tem uma vertente solidária. Leonel Felisberto associou-se à Mary’s Meals Portugal, ligada ao movimento internacional. Trata-se de um projeto global com o objetivo de levar alimentação às escolas de algumas das comunidades mais pobres. “Com 22€ conseguem alimentar uma criança durante um ano escolar”.
Por isso, por cada quilómetro percorrido, três restaurantes vão contribuir com um euro cada – Taberna Laranjinha, Varanda da Estrela e Casa do Clube. Um dos proprietários vai juntar-se ao bombeiro para os primeiros quilómetros do desafio.
Quem quiser ajudar, pode também contribuir ao fazer um donativo através do MBWay (912 524 403) ou do IBAN (PT50 0007 0000 0036 7851 3552 3). A ajuda vai diretamente para a Mary’s Meals Portugal.
Leonel Felisberto quer também deixar um convite aos bombeiros. “Vou passar por várias corporações como Silvares, Oleiros, Sertã e Ourém. Juntem-se a mim nem que seja para fazer um quilómetro”.
Para isso, pouco antes de arrancar, vai disponibilizar nas redes sociais (Instagram e Facebook) um link onde é possível acompanhar a corrida ao segundo e saber por onde está a passar.