Entrevista a António Simões – “Temos de considerar a floresta como uma prioridade nacional”

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ASAntónio Simões, presidente da Federação dos Bombeiros para o Distrito de Coimbra, e comandante da AHBV de Penacova, fala da preparação dos corpos de bombeiros para a época de verão e realça a capacidade de mobilização existente. Em entrevista ao DIÁRIO AS BEIRAS, o responsável lamenta o abandono da floresta e realça a necessidade de se intervir nesta área que ocupa 70 por cento do território nacional – Jornalista Rute Melo

Como está o dispositivo para os fogos florestais para este verão?

AS – O dispositivo no distrito de Coimbra, o que vulgarmente se chama de dispositivo para combate aos incêndios florestais, que é também da Autoridade Nacional de Proteção Civil, está exatamente nas mesmas condições que estava no ano anterior. Todo o dispositivo é o mesmo quer em meios humanos, terrestres e aéreos. Além desse dispositivo, que é que se chama de dispositivo oficial, há todo o restante movimento dos corpos de bombeiros do distrito, com cerca de dois mil homens e mulheres, voluntários nas suas associações e também nos dois corpos profissionais que existem, nomeadamente os Sapadores de Coimbra e os Municipais da Figueira da Foz. Relativamente ao que é a capacidade dos bombeiros do distrito nós temos uma grande capacidade de mobilização, talvez das melhores do país, não apenas para o distrito de Coimbra mas também para todo o país. Exportamos bombeiros para teatros de operações de norte e a sul do país. Julgo que em termos de voluntariado e de associativismos, nesta área dos bombeiros posso dizer que não temos nenhuma dificuldade e estamos melhor do que nunca.

Em termos de equipamento como estão?
AS – Nos últimos anos foram adquiridas algumas viaturas para os corpos de bombeiros e as associações têm vindo a modernizar-se mas ainda há conjunto de veículos com muitos anos de atividade. A prioridade e o objetivo das candidaturas a fundos comunitários é exatamente para modernizar veículos antigos. Não tanto para aumento de frota mas sobretudo para substituição de veículos mais modernos.

Não podendo adivinhar o futuro, que previsões têm para este verão no que aos incêndios diz respeito?
AS – A nossa floresta ano após ano está mais abandonada. Terrenos que o ano passado se viam cultivados hoje têm mato. As terras do interior estão cada vez mais desertificadas e tudo contribui para potenciar o aumento dos incêndios. Este ano é como todos os outros. Se chove muito é porque chove muito, se está muito calor no inverno é porque está muito calor… É um facto que houve um aumento da pluviosidade. Isso é um facto, mas não foge muito à regra de anos anteriores. Os caminhos estão mais estragados porque os caudais provocaram anos. Mas a regra é que temos três meses de calor e uma floresta muito desertificada. Estão, assim, criadas as condições para nestes três meses para haver grandes incêndios. Temos de estar preparados e estamos sempre preparados para condições acima da normalidade. Temos sempre dificuldade quando há mais incêndios do que corpos de bombeiros (houve anos em que havia 500 incêndios ao mesmo tempo). Em Coimbra também é assim pois temos uma grande capacidade de mobilização e uma grande força de intervenção, mas quando as coisas se generalizam temos de ter cuidado, nós e as populações. Temos de ter muito cuidado porque também estamos sujeitos a ter grandes incêndios. Mas sempre os conseguimos controlar – há aquela velha máxima que nunca nenhum incêndio ficou por apagar – mas também não temos grande histórico em Coimbra de deixar arder habitações e os bens essenciais das populações. Fazemos tudo para os preservar.

Qual é, na maioria das vezes, a origem dos incêndios?
AS – Há um conjunto significativo de incêndios de origem criminosa. No distrito há vários concelhos onde já ocorreram vários fogos ao mesmo tempo. Esses sim são de origem criminosa. Os incêndios por descuido já são cada vez menos, pois há uma maior sensibilização da população naquilo que se refere ao uso do fogo na floresta. Nós sabemos que o uso do fogo é uma atividade ancestral mas as pessoas estão cada vez mais sensibilizadas. Apesar de tudo, nestes últimos três anos, tivemos menos incêndios e com menor gravidade. Isto é fruto da consciência coletiva da população que já interiorizou que estas questões podem ter gravidade extrema.

O que pode ser feito para limpar tantos terrenos que estão votados ao abandono?
AS – A floresta contribui significativamente para o PIB nacional e emprega milhares e milhares de pessoas em todo o território nacional. Sobretudo aqui na nossa zona tem um peso significativo naquilo que é a vida e bem estar da população. Mesmo sabendo tudo isto tratamos a floresta da pior maneira. A floresta dá-nos tudo e tratamo-la muito mal. E muitas vezes aqueles que pior a tratam são muitas vezes aqueles que vivem do seu rendimento. Temos de inverter esta situação criando riqueza. A floresta só pode ser tratada se for mais rentável. Ninguém de nós trata o seu bocado de terreno se ele não nos der nada e não vamos lá investir para nada. A floresta tem de ser encarada como uma prioridade nacional. Se é importante eu não posso ter pessoas a limpá-la e a receber o rendimento mínimo e sistematicamente ir buscá-las ao fundo de desemprego. Se quero pessoas a trabalhar na floresta tenho de lhes pagar. Temos várias equipas de Sapadores Florestais, pagas pelo Estado, e pagamos o ordenado mínimo e muito do trabalho que realizam não é feito na floresta. Se eu quero valorizar a floresta tenho de pagar bem e tenho de procurar tirar daí rendimento para pagar. O nosso país é essencialmente floresta e ao não ser bem tratada estamos a tratar m a l70 por cento do país. Temos de considerar a floresta como uma prioridade nacional, que depois dará riqueza a vários níveis.

O que falta para que se perceba isso?
AS – Acho que, como em tudo na vida, é uma questão política. Os pinheiros não votam e investe-se onde existem pessoas e como a floresta está cada vez mais desertificada… Um dia qualquer as pessoas vão perceber que esta situação tem de ser invertida. Talvez quando a calamidade começar a entrar dentro das cidades. Penso que em 2005, no incêndio em Coimbra que entrou na cidade, se percebeu isso. Mas entretanto já se esqueceu e pode voltar a acontecer o que ocorreu naquela altura.

Como está, atualmente o voluntariado em Portugal?
AS – Somos um país com uma tradição enorme no associativismo que, algumas vezes, não é bem aproveitada. A prestação de socorro em Portugal assenta essencialmente no associativismo, através das associações humanitárias de bombeiros. Apesar de ser uma área de muita responsabilidade, e de cada vez mais haver bombeiros profissionais nos corpos de bombeiros, o associativismo tem muitas potencialidades que importa preservar, desenvolver, acarinhar e incentivar. Penso que podia ser mais acarinhado e incentivado, mas no distrito de Coimbra não temos tido dificuldade em angariar voluntários para os corpos de bombeiros. Há algumas autarquias que já têm feito algumas coisas ao nível de incentivo de voluntariado. Julgamos que devia ser feito a nível nacional, mas falta-nos ainda o estatuto social de bombeiro voluntário. Para que possa constituir um incentivo e reconhecimento pelo trabalho prestado. Nós falamos nos incêndios florestais mas são só três meses por ano, por altura do verão. Temos um conjunto de outro trabalho que não se vê. Mas os incêndios florestais são os mais mediatizados. É um trabalho fantástico que às vezes passa um pouco ao lado das pessoas. Há sempre ambulâncias a sair e sempre movimento e só quem passa por um quartel sabe.

Por tudo isto as críticas, quando surgem, deixam-nos tristes.
AS – E muitas vezes as críticas não são justas. Para quem tem um familiar doente parece uma eternidade. Mas as críticas ainda custam mais porque muitas vezes não é por culpa nossa. Estamos no meio de um sistema de comunicações a nível nacional complexo em que somos os primeiros a chegar ao local da ocorrência mas muitas vezes somos os últimos a saber dela. O nosso sistema de comunicações assenta num sistema internacional (112), mas quando a pessoa liga não vai ter ao quartel dos bombeiros e só após a polícia passar ao CODU e após uma bateria de perguntas é que chega aos bombeiros. Ou seja, e às vezes o acidente ocorre mesmo ao pé do quartel, os bombeiros sabem do acidente 15 minutos depois. E às vezes chegam e são criticados por algo que não têm culpa nenhuma. Claro que o 112 é um número extraordinário de socorro mas não é tão célere como todos gostaríamos que fosse. O mesmo se passa com outras ocorrências, porque as pessoas não sabem o telefone dos bombeiros e é mais fácil ligar para o 112.

Quer deixar uma mensagem para os bombeiros para este verão?
AS – Quero deixar uma mensagem de esperança mas também de segurança. A floresta está cada vez mais abandonada e perigosa. No fundo aquilo que nós queremos fazer é ir mas voltar.

Fonte: Rute Melo – Penacova Actual

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Ana Romaneiro

Nasceu em Évora onde cresceu e estudou. Desde muito cedo que partilha o gosto pela informática, que, a levou a tirar um curso profissional técnico de Gestão de Sistemas Informáticos, profissão que exerceu durante 12 anos. A sua ligação aos bombeiros surge aos 13 anos ao entrar na fanfarra dos Bombeiros de Évora, onde permaneceu até 2013. Na atualidade integra a segunda EIP da corporação dos Bombeiros de Reguengos de Monsaraz, no posto de bombeira de 2º.