
Os voluntários da corporação estão cansados da falta de meios financeiros e humanos e recusam-se a assegurar o serviço dos centralistas assalariados
Foto Carlos Carneiro / Global Imagens
As portas do quartel dos Bombeiros Voluntários do Porto estão fechadas desde o início da manhã desta quinta-feira e assim deverão continuar nos próximos feriados e fins de semana. Os voluntários que asseguravam o serviço da central desde o início do mês, por falta de funcionários, estão cansados da escassez de meios humanos e financeiros e dizem mesmo: “Esta Direção tem de cair”.
É mais um episódio em torno de uma instituição fundada há 147 anos e que tem honras de ser denominada Real Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários do Porto. Num novo protesto contra a atual Direção, que está em funções desde 2019, os voluntários decidiram que não vão continuar a desempenhar a tarefa dos centralistas aos feriados e fins de semana, como estavam a fazer desde que, no final de maio, saiu de lá uma empresa contratada para o efeito.
Macedo, um dos 13 voluntários que se manifestaram no quartel nesta quinta-feira, recusando-se a continuar uma tarefa que não lhes competia. Não querem que o quartel feche, querem é fazer o seu trabalho.
“Isto já aconteceu anteriormente. Depois, foi contratada uma empresa para assegurar a central. Sabemos que a empresa foi embora por falta de pagamento de vários meses”, prosseguiu Sérgio Macedo.
Perante a falta de quem o substituísse, o funcionário que esteve na central durante a noite teve ordens da Direção, nesta manhã, para encerrar o quartel. Cá fora, os voluntários desdobraram-se em contactos para tentar encontrar uma solução e afirmam ter dado conhecimento informal da situação ao comandante distrital de operações de socorro, à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, à Liga dos Bombeiros Portugueses e, ainda, ao comandante do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto, corporação que agora está a receber as chamadas de emergência da central dos Voluntários do Porto.
Apesar das tentativas, o JN ainda não conseguiu falar com o presidente da Direção, Gustavo Pereira.
O advogado Tiago Machado, que representa os bombeiros e alguns associados, revelou ao JN que no início da próxima semana vai apresentar recurso relativamente à providência cautelar que foi indeferida por um tribunal do Porto e em que era requerida a destituição da Direção. Disse ainda que a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil também já apresentou junto do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto um pedido de destituição dos órgãos sociais. Segundo o artigo 44.º da Lei 32/2007, é essa entidade que tem legitimidade para solicitar a destituição judicial. Segundo Tiago Machado, “há uma série de irregularidades” na gestão da associação, em particular “do ponto de vista financeiro”.
Em declarações ao JN, o comandante dos Bombeiros Voluntários do Porto, José Carlos Coelho, referiu que “a situação já vem a arrastar-se há muito tempo”, acrescentando que “a Direção é que tem de resolver” o problema da falta de dinheiro.
“Sem a central, não há operacionalidade. A operacionalidade tem de ser no quartel, não pode ser em casa”, afirmou, por seu turno, Ricardo Silva, aludindo ao facto de, além do encerramento dos portões, o presidente da Direção ter ordenado o reencaminhamento das chamadas de emergência para o telemóvel de outro elemento da corporação, que está em casa e, de momento, está suspenso.
Só mais tarde, soube o JN, é que o encaminhamento passou a ser feito para os Sapadores, depois de os Voluntários do Porto terem recebido a meio da manhã um alerta de incêndio que, devido ao fecho da central, acabou por ser reportado aos Sapadores. É pela central que passam tanto a gestão das equipas a enviar para o terreno como as comunicações, via rádio, que os bombeiros têm de fazer, além de outros procedimentos.
A corporação tem 20 voluntários e o mais velho em tempo de serviço está lá há 26 anos. “Não queremos que isto feche, mas ninguém fala connosco”, prossegue Sérgio Macedo. Ricardo Silva vai mais longe: “Esta Direção tem de cair”. Nos rostos de todos estava a tristeza por verem o que está a acontecer à corporação, que foi fundada em 1875 e chegou a receber a visita do rei D. Luís I e da rainha D. Maria Pia, em 1887.
“Ninguém faz nada por nós”, lamentava Paula Teixeira. Já são muito poucos os assalariados da corporação e, por esse motivo, “há mais de um ano que não há operacionalidade de dia”, diz ainda Ricardo Silva, lembrando que a ambulância do INEM está parada à porta, também por falta de meios humanos. “Por ordem do sr. presidente, estamos proibidos de abastecer as viaturas, até ordem em contrário”, acrescenta. A esse propósito, Domingos Reis contou-nos que já pagou do seu bolso 92 euros para abastecer um dos carros e ainda não os recebeu.
“Ele [o presidente] despediu os bombeiros porque financeiramente a associação está mal. Mas despediu a matéria-prima”, diz, por fim, Manuel Peito. Estes voluntários queixam-se ainda de não poderem fazer parte das equipas de combate aos fogos florestais, apesar de o comandante ter disponibilizado meios para tal logo em 2019.
O JN também ouviu o presidente do Conselho Executivo da Liga dos Bombeiros Portugueses. António Nunes afirmou que a Liga só poderá ter aqui um papel de mediadora e apenas se for solicitada para tal, formalmente, pelos sócios ou pelos órgãos sociais. O responsável acrescentou que a instituição “nunca tomou uma posição sobre esta matéria”, porque, garante, esse pedido não chegou a ser feito. Questionado sobre se há mais casos como este no país, lembrou o recente fecho do quartel dos Bombeiros Voluntários de Crestuma, em Gaia, embora as circunstâncias não sejam iguais.
Entretanto, a Câmara e a Comissão Distrital de Proteção Civil garantiram que o socorro na cidade “está totalmente assegurado”, apesar do encerramento do quartel dos Bombeiros Voluntários do Porto.
Fonte: Jornal de Noticias – Isabel Peixoto