Somos o ganha pão das Associações

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Rafael Almeida

Não o digo de ânimo leve e acredito que até possa estar errado, mas as factualidades não me apresentam outro caminho se não a constatação real do que somos, mas não do que sabemos, nem do que queremos.

Longe vai o tempo em que as Associações Humanitárias de Bombeiros encolhiam as mangas e se lançavam ao trabalho para garantir financiamentos e sustentabilidades dos seus Bombeiros. Faziam festas e romarias, rifas e sorteios, peditórios e campanhas. Eram autênticos aglutinadores comunitários para produções eficientes de solidariedade. Os tempos mudaram, efetivamente. Sou muito mais rigoroso e não me revejo nas formas obsoletas e deslavadas dos autofinanciamentos “doutrora”, que em pouco ou nada credibilizavam a imagem do Bombeiro, fragilizando-a e transportando-a até aos dias de hoje como o “coitadinho”, ou o “aleijadinho”, bem típico e tradicional da cultura portuguesa.

No entanto, e em modo de tartaruga, as mentalidades foram mudando e, na imensa floresta de Bombeiros em Portugal, já se conseguem vislumbrar bons exemplos de imagem e critério, transmitindo uma ideia de um maior e melhor profissionalismo, com uma dedicação extra ao sentido “voluntário”, conscientes da responsabilidade que cada vez mais nos está impregnada.

No entanto, a gestão dos recursos operacionais e dos recursos físicos continua a ser uma pedra no sapato dos Corpos de Bombeiros. Na minha humilde opinião, começando pelo topo da pirâmide estrutural, não entendo o porquê de um comandante de um corpo de Bombeiros, elemento escolhido para liderar e ser responsável por uma estrutura operacional, seja de escolha da exclusiva responsabilidade do “braço civil” de todo o universo. Não será certamente o “responsável” pela gestão de recursos financeiros a melhor pessoa para colocar sob sua “alçada” o líder de uma força operacional, com todos os constrangimentos que isso acarreta e até pela limitação da liberdade intelectual e de opinião que isso possa causar. Em nenhuma outra estrutura hierárquica isso se verifica e, quando ocorre, possui toda uma sustentabilidade política que a credita e dilui responsabilidades. Vejo, sem qualquer nível deficitário, o direito a sufrágio secreto por parte dos Corpos de Bombeiros para a escolha dos seus líderes.

Depois, o associativismo e corporativismo são, efetivamente, a maior forma de desenvolver políticas autoritárias. As liberdades associativas são grande parte das vezes antagónicas aos objetivos operacionais, esbarrando em dificuldades ao desenvolvimento, à democracia, à liberdade de opinião e à necessidade de evolução. O modelo atual está ultrapassado. As AH de bombeiros sustentam-se hoje e em exclusividade nos Bombeiros Voluntários e no efetivo do seu trabalho. Os programas permanentes de cooperação PPC, fonte de receita elaborada por cálculo de risco e canalizada através da ANEPC é, efetivamente, uma boa receita para as AH. A par disso, as AH ainda contam com orçamentos municipais, cuja canalização é baseada na sustentabilidade e auxílio à melhor prestação operacional, os contratos com o INEM, e as receitas provenientes dos transportes de doentes não urgentes. Todo este bolo financeiro associativo é de exclusiva competência dos elementos dos Corpos de Bombeiros. Digo-o e repito-o: se não fossem os Bombeiros, não haveria garantidamente Associações Humanitárias. No entanto e para que esta afirmação não caia na discussão generalizada, é necessário perceber o propósito da criação das Associações Humanitárias de Bombeiros. Nela, efetivamente, muito poucas se devem rever atualmente. Perante isto, não poderei ser de outra opinião que não seja a de que existem mais Associações Humanitárias do que o necessário.

A centralização dos Corpos de Bombeiros a um nível distrital e a elevação da gestão financeira/politica não seria nada prejudicial. Conhecendo a minha realidade, um departamento financeiro de Bombeiros a nível distrital que fizesse gestão e divisão dos recursos por todos os Corpos de Bombeiros e que fosse responsável pela empregabilidade, sustentabilidade, formação e operacionalidade dos Corpos de Bombeiros, traria benefícios a todos os níveis. Seria possível a mobilidade e mobilização de recursos e meios; Seria possível a unificação formativa e profissional num patamar equitativo entre todos os elementos; Seria possível o recrutamento profissional de forma mais célere e eficiente sem desperdício de bons recursos existentes; Seria possível uma uniformização da disciplina e imagem dos Bombeiros; Haveria um eficiente controlo do erário publico empregue nas missões dos Bombeiros; Haveria uma maior assunção de responsabilidades e consequente diluição de critérios e normas a adotar a todos os níveis; Haveria um comando único, centralizado e, em conjunto com o departamento financeiro, teria como missão fiscalizar e supervisionar toda a atividade operacional, trabalhando diretamente com os comandantes de cada unidade; Haveria uma centralidade de comunicação e resposta, tornado mais eficiente, célere e adequada a resposta operacional. Enfim, uma quantidade suficiente de fatores que não são descabidos.

Este modelo associativo, assente na “sua” quinta, repleto de poderes e parco na fiscalização, baseado nos critérios comunitários dos seus associados é cada vez menos credível, favorável ao surgimento de filosofias pouco transparentes, sem força representativa, sem união e não serve os ambiciosos objetivos dos Bombeiros profissionais e voluntários. Lamento muito, que entre o risco que se tenha de correr e a vontade efetiva de mudar, seja substancialmente menor que o medo que ainda se mantêm. Se calhar nem é medo, é apenas conforto e conformidade.

Termino perguntando: para quando a nacionalização dos Bombeiros em Portugal?

 

Rafael Almeida 

About author

Daniel Rocha

Nasceu na Guarda. Para além da vida de professor, dedica-se a muitas outras actividades. A sua ligação e gosto pelo mundo da imprensa levaram-no a ser colaborador da Rádio Altitude (Guarda) e do jornal Notícias de Gouveia (Gouveia).