Relatório conclui que um alerta precoce poderia ter evitado a maioria das 64 mortes registadas no incêndio de Pedrógão Grande.
João Guerreiro, presidente da comissão técnica independente criada para analisar os acontecimentos que levaram à morte de 64 pessoas, em Pedrógão Grande, disse, esta quinta-feira, que a conclusão final é de que houve falha humana, na resposta inicial do comando de operações.
A comissão técnica indica, no entanto, que existiu um conjunto de circunstâncias especiais que servem como atenuantes para a falha humana, tais como as condições meteorológicas.
No relatório, apresentado esta quinta-feira na Assembleia da República, são apontados culpados nos diversos domínios da resposta ao incêndio. Leia aqui o relatório na íntegra
O relatório é unânime, foi aprovado por todos os membros da comissão de peritos criada pela Assembleia da República – peritos que foram indicados pelos grupos parlamentares e pelo conselho de reitores.
O que causou os incêndios?
A comissão técnica diz que o incêndio de Pedrógão Grande foi o segundo maior “na história do país, desde que há registo” e que terá sido causado por “descargas elétricas mediadas pele rede de distribuição”.
Terá sido o incêndio, em Portugal, que “libertou mais energia e o fez mais rapidamente (com um máximo de 4459 hectares ardidos numa só hora)”, lê-se no relatório.
Já o incêndio de Góis foi o oitavo maior, desde que há registos, e terá sido causado por um raio.
O que falhou na resposta ao fogo?
A ausência de alerta precoce, por não ter sido feita a leitura do incêndio às 18h00 (e mesmo antes), não permitiu impedir a maioria das fatalidades.
Este trabalho de antecipação, acrescenta a comissão, “deveria ter sido feito no seio do comando e planeamento desta operação de socorro e deveria ter resultado na mobilização dos meios necessários, incluindo a GNR, para evitar que se tivesse verificado uma fuga para a morte, tal como veio a acontecer”.
“Por sua vez, tal trabalho de antecipação só poderia ter sido feito com o apoio de analistas de incêndios e de meteorologistas especializados, que permitisse uma adequada avaliação da situação em tempo real. A verdade é que nenhuma destas competências existe na Autoridade Nacional de Proteção Civil, apesar da enorme gravidade e frequência dos incêndios em Portugal”, indica o documento.
O relatório diz também que, uma vez que as mortes na Estrada Nacional (EN) 236-1 ocorreram na sequência da fuga a partir das aldeias localizadas a este desta via, “poderia ter-se colocado a hipótese de proceder ao corte das estradas de acesso à EN 236-1”, o que teria um desfecho “provavelmente ainda pior, pois teria eventualmente implicado a ocorrência de mais vítimas, incluindo os próprios agentes da autoridade”.
“Excluída esta hipótese, duas medidas poderiam no entanto ter sido tomadas, ambas dependentes de informação que a GNR não dispunha. Poderia ter sido ordenada a evacuação atempada das aldeias ameaçadas ou poderiam ter sido tomadas medidas para que as pessoas não saíssem de casa”, descreve a comissão.
Qualquer uma destas decisões deveria, no seu entender, ter resultado de “uma análise adequada da situação, de modo a prever o comportamento potencial do incêndio iniciado há mais de cinco horas”.
A comissão técnica questiona ainda porque razão não foi de imediato mobilizado para o incêndio de Góis um helicóptero que estava disponível e estacionado em Pampilhosa da Serra, já que “estava muito mais perto” do que o helicóptero chamado, que estava em Ferreira do Zêzere.
É também questionado motivo pelo qual não foi mobilizado para o incêndio de Pedrógão Grande um helicóptero que estava disponível no Pombal.
“As decisões tomadas poderiam ter sido outras, se não houvesse um excesso de zelo na mobilização do helicóptero estacionado no CMA de Pombal e se fosse considerado, desde o início, que as freguesias do concelho de Pedrógão Grande estavam referenciadas como freguesias prioritárias, e por isso apresentando um risco potencial significativo”, é explicado.
Ao analisar “a prontidão do sistema de defesa da floresta contra incêndios”, a comissão afirma que “a incapacidade em reconhecer e/ou responder atempada e adequadamente às condições meteorológicas que seriam enfrentadas, ao longo do dia 17, está na génese da tragédia” de Pedrógão Grande, no distrito de Leiria.
O presidente da Comissão Técnica Independente sobre os incêndios na região centro, em junho, excluiu hoje qualquer responsabilidade da GNR em direcionar carros para a Estrada Nacional 236, onde morreram dezenas de pessoas.
Questionado pelos jornalistas, após entregar o relatório no parlamento, em Lisboa, quanto às dúvidas colocadas nos dias seguintes ao incêndio sobre se alguém morreu depois de ter sido direcionado pela GNR para EN236, o presidente da comissão foi claro e curto: “Não, não senhor.”
No dia do incêndio, 17 de junho, morreram 47 pessoas na EN236, presas nas chamas e no fumo em pouco mais de um quilómetro na estrada entre Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos.
O que tem de mudar?
A comissão técnica recomenda que a estrutura da Proteção Civil seja melhorada através da “qualificação dos recursos humanos” e de uma “maior incorporação do conhecimento na previsão, na avaliação e na atuação perante as diversas situações”.
“Este aspeto é crítico e considera-se essencial que seja contemplado com urgência, no sentido de permitir superar a atual situação, caracterizada por um misto de voluntarismo e de ausência de confiança na estrutura”, é dito no relatório.
Os sistemas atuais de combate a incêndios não estão preparados para enfrentar um novo problema com raiz nas alterações climáticas”, refere a comissão nomeada para analisar os fogos de junho na região Centro.
“Urge entender o fenómeno e adaptar as estruturas de proteção civil para adquirir capacidade de antecipação e planeamento face ao mesmo, substituindo a lógica de ‘mais meios’ pela lógica do conhecimento e da proatividade”, adianta a comissão.
Por outro lado, “é manifesta a rigidez dos procedimentos e recursos disponíveis para a pré-supressão e supressão a incêndios em Portugal, indicando deficiências na perceção do risco e impedindo uma resposta efetiva à evolução temporal do potencial de incêndios” ao longo do ano.
“Portugal não dispõe de operacionais especializados em meteorologia aplicada a incêndios, com acompanhamento permanente (em tempo real) das condições e dos incêndios ativos”, alerta a comissão.
O fogo que deflagrou em Pedrógão Grande no dia 17 de junho só foi extinto uma semana depois, tal como o incêndio que teve início em Góis (distrito de Coimbra). Os dois fogos, que consumiram perto de 50 mil hectares em conjunto, mobilizaram mais de mil operacionais no combate às chamas.
O relatório hoje entregue no parlamento analisa os fogos ocorridos entre 17 e 24 de junho nos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Ansião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos, Arganil, Penela, Oleiros, Sertã, Góis e Pampilhosa da Serra.
(Fonte: TSF)