Elmano Silva – Técnico Superior de Proteção Civil

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1. Todo o seu percurso profissional foi efectuado em estruturas relacionadas com a Protecção Civil. De uma forma geral, como analisa a evolução da Protecção Civil enquanto estrutura agregadora de forças profissionais e de forças assentes no voluntariado?

De facto acompanho estas estruturas há muito tempo e posso afirmar que existe um antes e um depois da implementação do Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro (SIOPS) em 2006, que é um modelo com génese no Incident Command System (ICS), desenvolvido pela Guarda Costeira americana e adaptado a Portugal. Testemunhei no terreno, durante muitos anos, as dificuldades, o comando sem comando, a falta de interligação institucional, a falta de estratégia e a desresponsabilização generalizada. Quer gostemos ou não, todo o sistema começou a ter um rumo. A implementação do comando único foi fulcral para a coerência de todo o sistema. Todas as forças, profissionais bem como as voluntárias, só tiveram a ganhar com o SIOPS. A dicotomia profissional versus voluntário, em contexto operacional, não pode ser a questão ou o problema. A ação de ambos tem que se reger pelo profissionalismo e pela competência. A sua ação, sob o olhar da sociedade, é alvo de juízo e avaliação, ou seja, a responsabilidade e o cumprimento de objetivos é idêntica. A proteção Civil, entidade agregadora de todos os agentes de proteção civil, tem que exigir de todos profissionalismo, excelência e responsabilidade. Os erros cometidos no passado, associados ao antigo modelo, cabem à história e para bem do sistema e das populações, que procura servir, não deve voltar.

2. Na sua opinião e tendo em consideração o seu conhecimento sobre a formação que as várias entidades da estrutura de socorro nacional, existe um currículo formativo adequado às necessidades do país ou haverá necessidade de o actualizar? Com que formações?

Nesta matéria julgo que o currículo formativo é adequado ao nível da carreira de bombeiro. Neste campo assistiu-se a alterações profundas. No que diz respeito aos bombeiros, nunca como hoje foi exigida tanta quantidade e qualidade de conhecimentos. Esse salto qualitativo veio trazer às corporações mais qualidade, mas também maior responsabilidade. Às populações trouxe melhor resposta e garantias. Para além de que se assistiu também, de forma generalizada nos restantes agentes de proteção civil, a um esforço de formação assinalável. Recordo que comparo a evolução nos últimos 30 anos… A formação atual, ao nível do socorro, equipara-nos ao melhor que existe nas sociedades pós-modernas. A ciência está sempre a evoluir e como tal também as formações devem acompanhar essa evolução. Poderei dissertar que no futuro as formações deveriam ter uma componente mais científica ao nível dos quadros de comando, ou seja, dotar de conhecimentos técnicos e científicos estes elementos, garantindo competências ao nível do saber saber de forma a potencializar as competências do saber fazer. É claro que a necessidade de atualização deverá ser permanente. Por outro lado, muito há ainda por fazer em termos de proteção civil. O socorro é só uma das valências, ao contrário do que muitas pessoas (operacionais) pensam. A sociedade portuguesa não tem uma cultura de risco, não tem porque nunca lhe foi ensinada. Esse é o trabalho do futuro, este é o trabalho que se impõe à proteção civil, reduzir a exposição ao risco através de uma cidadania informada, responsável e ativa.

3. Sendo um homem extremamente atento à problemática da Protecção Civil e tendo estado recentemente destacado no Centro Distrital de Operações de Socorro (CDOS) da Guarda, tem, por certo, um grande conhecimento das e uma proximidade imensa com as corporações de bombeiros desse distrito. Fazendo uma breve análise a esse tempo e pensando na generalidade dos corpos de bombeiros do distrito da Guarda, quais os aspectos onde pensa que esses corpos de bombeiros têm de evoluir? Têm condições próprias para essa evolução? E quais os aspectos onde esses corpos de bombeiros já atingiram um patamar de alguma excelência?

A minha colaboração no CDOS da Guarda permitiu-me, de facto, conhecer um pouco todas as corporações do distrito. Em 1997 também estive a colaborar no então Centro Coordenador Operacional da Guarda (CCO) e este facto permite-me comparar o antes e o depois. Em qualquer instituição os recursos humanos são o seu bem mais valioso. Considero que é nesta área que os corpos de bombeiros têm que evoluir. O modelo de sociedade atual, assente no neoliberalismo, não potencia o voluntariado. Assiste-se a um défice de voluntários que urge solucionar. Os corpos ativos são, de uma forma geral, reduzidos e com efetivos com níveis de escolaridade baixos. Há que tornar a atividade de bombeiro voluntário mais atrativa e desafiante para jovens com melhores habilitações. No entanto, por muito paradoxal que seja, julgo que também se deve captar efetivos mais velhos. Quem não se lembra do excelente trabalho sapador feito por homens duros e habituados ao trabalho? As atuais exigências legais afastaram dos corpos ativos estes homens. Por outro lado, as corporações devem apostar na formação de comando operacional. As operações de socorro deixaram de ter um carácter limitado no tempo, no espaço e na dimensão. O trabalho conjunto, quer com outras corporações, quer com outros agentes de proteção civil, requer um nível de comando operacional mais profissional. Outro aspeto a melhorar será o treino e os exercícios. Há que apostar nestas valências como forma de melhoria contínua dos operacionais. A par desse aspecto, há que melhorar os investimentos futuros, ou seja, há que pensar numa dimensão para além da zona de atuação própria. A gestão dos recursos financeiros deve ser criteriosa e a aquisição de equipamento, mais diferenciado, poderá ser na lógica da partilha e na resposta a riscos comuns. Relativamente à excelência, como já atrás mencionei, os corpos de bombeiros evoluíram muito. A emergência pré-hospitalar foi, talvez, ao nível técnico onde se verificou uma maior evolução (embora seja muito crítico do número muito insuficiente de tripulantes das ambulâncias de socorro). O parque de veículos também atingiu patamares muito elevados de excelência que permite dar resposta a todas as situações.

4. Enquanto investigador das causas e origem dos incêndios florestais, quais são as prioridades que deveriam ser tomadas para uma melhor prevenção e diminuição das ocorrências, e para um melhor e mais eficiente combate?

A procura de respostas para esta questão levou-me, recentemente, à elaboração de uma dissertação de mestrado em proteção civil. Em poucas palavras, direi que a legislação, se não for ao encontro das necessidades da população, não será respeitada e cumprida. Isto para dizer que o uso do fogo no espaço rural não é recente. O fogo sempre foi utilizado na óptica do “bom patrão”. O que mudou foi a ocupação do território, em número de habitantes e no abandono da agricultura. Temos que primeiro conhecer os territórios, as causas dos incêndios e as necessidades das populações, depois dar resposta a essas necessidades de forma a retirar/reduzir o uso do fogo por parte da população. Se num dado território, por exemplo, a causa determinada ao longo dos últimos anos for a renovação de pastagens e se a necessidade dos pastores é a obtenção de pastos no fim do verão para o gado, então deverá ser o Estado (bombeiros, força especial de bombeiros e ou os sapadores florestais) a procederem a queimadas utilizando o fogo de gestão. Quando? Na altura em que é necessária: no fim do verão. Como? Usando as técnicas adequadas em articulação com os serviços municipais de proteção civil e os gabinetes técnicos florestais. A mesma metodologia deverá ser seguida para outras causas investigadas. O que importante é reduzir o número de ignições não autorizadas.

Já no que diz respeito à eficiência do combate, a prioridade deverá incidir a dois níveis: (i) aprofundamento do sistema de comando operacional; e (ii) mobilidade das equipas de primeira intervenção. No primeiro caso, há que garantir não só o comando mas também o controlo nos níveis inferiores das ordens emanadas, ou seja, há que garantir que a estratégia e a tática estabelecidas são de facto executadas no nível da manobra. No segundo caso verifica-se que as equipas na primeira intervenção ao chegarem ao local ficam muito condicionadas a esse local e perdem a noção da ocorrência no seu todo. A intervenção, apesar de musculada, com recurso a todos os meios disponíveis no veículo faz com que estes, ao serem dispostos no terreno, atrasem a capacidade de recuperação da mobilidade da equipa, perdendo assim, muitas vezes, as melhores oportunidades de intervenção, porque não antecipam as dinâmicas do fogo.

5. Tendo em consideração a sua experiência enquanto formador e agente da protecção civil, qual seria a mensagem que gostaria que cada bombeiro ajudasse a passar junto das populações?    

A principal mensagem a transmitir é que a responsabilidade pela segurança pessoal de bens materiais e do ambiente é em primeira instância de cada um de nós. Há que fomentar uma cultura de risco. Vivemos numa sociedade de risco e a perceção desse mesmo risco deve obrigar-nos a um comportamento pessoal mais cuidado e responsável.

 

 

About author

Sérgio Cipriano

Natural de Gouveia e licenciado em Comunicação Multimédia pelo Instituto Politécnico da Guarda. Ingressou nos bombeiros com apenas 13 anos de idade e hoje ocupa o cargo de sub-chefe. É um dos fundadores da Associação Amigos BombeirosDistritoGuarda.com e diretor de informação do portal www.bombeiros.pt, orgão reconhecido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social.