Prof. Doutor Xavier Viegas

Bombeiros.pt – Qual é a importância destas conferências para os agentes da protecção civil?

Prof. Xavier Viegas – Estes cursos são muito importantes para todos os agentes de protecção civil em geral e para a comunidade científica, de alguma forma eles deviam chegar também a outros agentes da administração pública e a pouco e pouco, a informação dos sistemas de segurança dos incêndios deviam chegar à população, é desta forma que tentamos sensibilizar as pessoas, neste caso começando nos agentes da protecção civil.

Como sabe a ADAI organiza vários cursos, como se costuma dizer “com a prata da casa”, com os nossos investigadores, aqui aproveitando as circunstâncias de trazermos a Portugal de quatro em quatro anos cientistas de grande renome e com muita experiência, que nos podem trazer uma outra visão de outros países, de outras partes do mundo e portanto com uma outra reflexão diferente daquela que nós estamos habituados ter, por isso, eu julgo que são importantes estes cursos, a resposta que houve digamos das entidades, em particular da Autoridade Nacional da Protecção Civil, demonstra isso mesmo.

Bombeiros.pt – Se tivesse que destacar uma das entidades presentes qual destacaria?

Prof. Xavier Viegas – Autoridade Nacional da Protecção Civil, porque reconheceu a importância da nossa formação e mediante um protocolo que estabelecemos com a Autoridade aqui há uns anos, deliberou apoiar exactamente estas acções de formação, e este ano, esse apoio traduziu-se na inscrição de cerca de 80 agentes todos ligados aos comandos distritais ou então aos corpos de bombeiros, e isso parece-nos uma atitude relevante que muito nos honra, porque revela de facto o reconhecimento que nos é dado por parte da Autoridade ao trabalho que está aqui a ser feito, sendo verdade tal como já o disse antes, a participação da ADAI nesta conferência é mais como organização, a responsabilidade até mesmo da estrutura deste curso é da pessoa que nós convidamos, o Doutor King que infelizmente não pude vir, mas que está representado pelo Doutor Jimenez, com o qual colabora e está aqui exactamente a fazer o seu papel.

Bombeiros.pt – A formação é um componente importante na actuação dos agentes que lidam directamente com o fogo, como destaca a qualidade da formação dada em Portugal?

Prof. Xavier Viegas – Eu talvez não tenha uma visão geral da formação dada em Portugal. Como sabe, nós colaboramos com parte dessa formação, nomeadamente com a Escola Nacional de Bombeiros (E.N.B.), e também não tenho muitas referências em relação a outros países, mas aquilo que eu conheço diria que, enfim, a nível europeu não está mau, pelo menos conheço países no sul da Europa onde a formação não está sequer tão estruturada como em Portugal. Portanto, já existe algum esforço para existir uma estrutura de formação de grandes níveis e de grandes unidades, agora não conheço como disse, na totalidade a globalidade desse programa. No entanto, Creio que se pode melhorar sobretudo tomando como referencial daquilo que se faz nos estados unidos, que claramente, eles estão na vanguarda destes assuntos e onde o tema da formação é bastante mais formalizado, por exemplo, os diferentes níveis de formação sabe-se ao que isso corresponde e quando há um bombeiro, que tem uma certa qualificação, já se sabe que curso é que ele teve e digamos que há todo um registo que julgo que no nosso país ainda não esteja a ser feito de modo generalizado e suficiente, tanto quanto me apercebo, creio que a formação está a ser mais aprofundada e alargada aos quadros de comando e as chefias e só a pouco e pouco vai chegando às bases, o que é quanto a mim a maior falha, pelo menos nos temas que eu conheço.

 Bombeiros.pt – Portugal registou este ano duas vítimas mortais que directamente lidavam com o fogo, o professor Xavier Viegas foi chamado a investigar os acidentes?

Prof. Xavier Viegas – Não, de facto não, este ano não tivemos uma solicitação por parte das autoridades para participar na investigação desses acidentes, recordo que também houve um outro acidente neste caso rodoviário com um bombeiros que faleceu, a nossa preocupação de facto é estudar esses casos, posso dizer que eu já estive no local de um desses acidentes, concretamente o de Gondomar, ainda hoje fui contactado por um comandante de um desses acidentes que referiu que se disponibilizou para nos ajudar, e também é nossa intenção estudar o outro caso, também temos a preocupação de estudar incidentes, ou seja, casos que temos conhecimento onde houve vidas em perigo. Ainda hoje tive a oportunidade de voltar a falar com o comandante de Brasfemes, com quem tenho apalavrado uma reunião, uma vez que ele numa ocasião, estava com elementos da corporação dele que estiveram envolvidos no cerco de um fogo, não sei se chegaram a perder uma viatura, pelo menos tiveram pessoas em risco, e nós gostávamos de estudar esse caso porque não é só quando as pessoas perdem vida que se deve investigar, mas também quando há este tipo de situações, porque isto quer dizer que houve ali qualquer coisa que não correu bem, alguma decisão que não foi tomada correctamente ou alguma surpresa. Mas por outro lado também, o facto de não ter havido fatalidades representa que as pessoas tomaram, digamos, uma boa actuação. Queremos tentar perceber o que é que correu bem e o que correu mal, para que também possamos aprender. Nesse sentido faço também um apelo ao vosso portal, à vossa associação, para que nos façam chegar do conhecimento deste tipo de casos, incidentes, mesmo que seja um simples relato ou uma simples nota, se nós tivemos disponibilidade e houver capacidade, procuraremos estudar isso.

 Bombeiros.pt – Na sua opinião a suposta falta de formação dos agentes da protecção civil em geral, pode ajudar-nos a diminuir os acidentes em Portugal.

Prof. Xavier Viegas – Eu penso que aumentando a formação, deve exactamente contribuir para melhorar a segurança. Como vimos aqui neste curso, a segurança começa pelo indivíduo, cada um deve ser responsável pela sua segurança, não podemos pensar que é o chefe de equipa, o comandante, o coordenador distrital ou o comandante nacional que vai ter que pensar na segurança de cada pessoa, tem que cada um, ser responsável. Portanto, acho que quando mais formação se der, quanto mais ela chegar junto não só dos bombeiros mas também junto da população, melhor. Porque aquilo que temos visto e temos estado assistir ainda na apresentação nesta manhã, daquele caso da Austrália onde que morreram 173 pessoas em poucas horas, todos eles civis, quer dizer que há ali qualquer coisa que mesmo pessoas que estão habituadas a viver num ambiente de fogo, podem ter a sua vida em risco. Portanto, eu julgo que é necessário chegar de forma capilar a formação a toda a gente.

 Bombeiros.pt – Esta conferência revelou-se bastante participativa, como são lá fora as conferências deste género?

Prof. Xavier Viegas – Nos outros países que organizam este tipo de eventos, nomeadamente acções de formação sobre segurança, nalguns casos são muito participadas, até têm muito mais gente do que estas, estou a falar de países como os Estados Unidos onde o envolvimento da população interessada por estes problemas é muito maior. Agora na Europa tanto quanto conheço não há muitos eventos como este, o que a mim me surpreende, visto que é um problema comum que temos com outros países do sul da Europa. Nos eventos existentes, os assuntos da segurança não são muito abordados nem muito tratados, pelo menos da forma como os tento abordar em Portugal, nesse aspecto, eu julgo que estas apresentações que temos tido são muito mais abrangentes e participativas. Ainda agora nesta última sessão acabamos de ouvir um testemunho de um bombeiro de Odemira, cuja corporação tem enviado elementos para as nossas formações desde há muitos anos, e não tem perdido uma. Apesar de se calhar vir ouvir as mesmas coisas repetidas, sentem que vale a pena aqui vir, porque é como reciclar, como foi dito por aquele dirigente da ANPC e é importante haver essa participação.

Nós fazemos questão de que este tipo de formações possa chegar a todos, e como vimos nestas lições que nos foram dadas durante o dia de hoje, o tema da segurança é muito mais vasto que propriamente o do fogo, os acidentes e a temática da perda de vidas, embora nós tenhamos procurado focar a atenção sobretudo nessa componente, porque nos parece ser mais dramática e que tem mais consequências, pretendemos despertar assim a atenção das pessoas para evitar esse tipo de situações. A diferença que há entre os cursos que nós damos aqui em Portugal e os que tenho participado em outros países, os temas abrangidos são outros, por exemplo, eu tive oportunidade de participar em cursos em Espanha onde de facto as questões que são abordadas são mais questões ao nível laboral e sindical, e não se abordam às vezes estas questões da segurança.

Bombeiros.pt – A quem se dirige a formação que decorre nos dias 15, 16 e 18 de Novembro?

Prof. Xavier Viegas – As actividades que decorrem de dia 15 a 18, são da Conferência Internacional sobre Investigação Sobre Incêndios Florestais, como o próprio nome indica é destinada mais para investigadores da comunidade científica, sendo que, também participam pessoas ligadas as operações, visto que, o diálogo entre a comunidade científica e a operacional é importante. Existem muitos casos de investigadores que também são bombeiros e vice-versa, e bombeiros que já têm formação e que lhes permite participar nessas actividades mais avançadas, e portanto, esta conferência sendo sobretudo dirigida para apresentar resultados da comunidade científica não exclui a participação de pessoas ligadas às actividades operacionais, desde que tenham realmente motivação e preparação para perceber estas questões, como aqui foi dito nesta sessão, parece-nos importante que a investigação cientifica esteja ligada à comunidade operacional.

 Bombeiros.pt – Estas conferências são para continuar em Portugal?

Prof. Xavier Viegas – Ora bem, esta já é a sexta conferência 20 anos após a primeira, e tem sido sempre em Portugal. De facto nós procuramos na estrutura da conferência utilizando este padrão e tanto quanto nos apercebemos foi bem acolhida pela comunidade científica. As pessoas reconheceram desde o princípio da conferência, como uma reunião importante e de interesse científico, hoje é uma daquelas reuniões que é de referência a nível internacional à qual as pessoas procuram ir. Seguimos sempre este padrão, é nosso objectivo organiza-la em Portugal e procurar na medida do possível que seja aqui há volta de Coimbra, por ser um ponto central o que nos facilita em termos logísticos. Penso que o nosso objectivo tem sido conseguido e enquanto podermos, tivermos capacidade e força, temos de tentar procurar mantê-la, sendo que não sabemos o que vai acontecer daqui a 4 anos. O que temos notado é que por vezes temos mais apoios, outras vezes temos menos, este ano foi um ano particularmente difícil em termos de apoios, por causa da crise, apesar da participação estar a corresponder ao que nos esperávamos. Vamos a ver, temos esperança de continuar daqui a 4 anos.

 

Reportagem: Sérgio Cipriano
Fotografia: Bruno Abrantes

 

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Sérgio Cipriano

Natural de Gouveia e licenciado em Comunicação Multimédia pelo Instituto Politécnico da Guarda. Ingressou nos bombeiros com apenas 13 anos de idade e hoje ocupa o cargo de sub-chefe. É um dos fundadores da Associação Amigos BombeirosDistritoGuarda.com e diretor de informação do portal www.bombeiros.pt, orgão reconhecido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social.