“Não costumo por norma dizer o que sinto, mas aproveitar o que sinto para dizer alguma coisa”

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rui moreira silva

“Não costumo por norma dizer o que sinto  

Mas aproveitar o que sinto para dizer alguma coisa”

Ruy Belo

Como o poeta, escrever de e para bombeiros, levará muito do que me vai na alma. Vários são os temas quentes e controversos que nos acompanham, teimosamente como os incêndios florestais. Mas decidi pegar num deles, atual há mais de um ano: O acordo quadro para fornecimento de equipamentos de proteção individual para combate a incêndios em espaços naturais, começando por uma breve introdução.

O Ministério Administração Interna (MAI), através da Autoridade Nacional de Proteção Civil (que elaborou o Caderno de Encargos), decidiu aproveitar os financiamentos comunitários para esse fim e através do Programa Operacional da Valorização do Território (POVT), encarregando as Comunidades Intermunicipais de submeterem as candidaturas. Este financiamento seria repartido entre POVT (85%), a ANPC (7,5%) e os municípios (7,5%).

A maioria dos concursos públicos são lançados em Maio de 2013 e muitos deles ficam desertos porque nenhuma das propostas recebidas preenchem os requisitos do caderno de encargos. Mais tarde coloca-se novo entrave, ao excluir o IVA das despesas elegíveis.

O que começou, a meu ver, por ser uma boa oportunidade para equipar os bombeiros, foi caindo numa teia de complicações, fazendo com que a maioria dos bombeiros continue a usar fardamento nas intervenções em incêndios florestais.

Por outro lado, a alteração da ficha técnica n.º 10 – Equipamentos de combate a incêndios em espaços naturais, em 8 de Abril de 2014, deveria ter sido o primeiro passo, de forma a que os EPIs a adquirir já respeitassem as normas e possuíssem certificação. Como andamos com o carro á frente dos bois, o mercado não tem para entrega o fato de proteção florestal, constituído por calça e dólman. Acresce, que eu conheça, somos os únicos bombeiros europeus a usar dólman vermelho, pelo que também o mercado internacional não teve resposta.

Não deixo de considerar curioso o facto de nos termos formado e equipado de forma célere e abrangente, relativamente ao combate a incêndios urbanos e industriais, cujo equipamento é significativamente mais caro.

Com todas estas trocas e baldrocas, algumas Camaras Municipais e Associações Humanitárias de Bombeiros decidiram elas próprias fazer um investimento significativo no equipamento de proteção de individual de bombeiros, normalmente de uma forma direta e em alguns casos, como foi o caso da Associação Humanitária de Carregal do Sal optou por um protocolo de parceria com o Banco de Investimento Global (BIG). Sobre este tema, e deixando de fora o caso específico da Associação Humanitária de Carregal do Sal que felicito e aplaudo a iniciativa, não estranhei a corrida oportunista que se gerou a seguir. Quando li no Jornal Negócios, que os lucros do banco BIG aumentaram 82,3% em 2013 e o produto bancário subiu 55,7% para 125 milhões de euros no ano passado, o meu primeiro pensamento foi de que este banco iria abdicar de 1 milhão de euros dos seus lucros para investir em equipamento para bombeiros.

A minha ingenuidade rapidamente se desvaneceu ao perceber que por detrás desta campanha de apoio aos Bombeiros Voluntários estavam interesses comerciais, que na minha terra se costuma dizer “dar um presunto a quem me der um porco”. Mesmo assim, não são os únicos que me deixaram defraudado. Com a entrada da Liga dos Bombeiros Portugueses na parceria com o banco BIG, ate me lembrei que esta adesão traria consigo os mais de 400 mil euros do celebre domingo de solidariedade da RTP, mais os cerca de 100 mil do concerto do Toni Carreira e eventualmente mais uns trocos, o que junto daria mais de meio milhão de euros a que se juntaria um valor igual por parte do banco BIG, dando assim o tal milhão de euros que permitiria desta forma distribuir o equipamento de proteção individual aos bombeiros, ainda antes da época critica dos incêndios florestais.

Não me querendo alongar nesta minha dissertação, não posso esconder alguma insatisfação na forma como a tutela, as entidades representativas do sector e até mesmo, nós bombeiros em geral comemos e calamos mesmo que não gostemos. Espero que em 2014, se alguém der alguma coisa para os bombeiros ou para as vitimas dos incêndios florestais, esse contributo e essa ajuda seja efetivamente entregue aos que perderam um pouco de si ou dos seus bens, não ficando parado algures a render nas contas bancarias, porque não foi para isso que as pessoas se disponibilizaram.

Estas linhas expressam somente a minha opinião enquanto cidadão, e como diz o Poeta Ruy Belo,

“O mais é só comigo e com a subjectiva forma como passo a minha vida…”

Rui Moreira da Silva

 

About author

Sérgio Cipriano

Natural de Gouveia e licenciado em Comunicação Multimédia pelo Instituto Politécnico da Guarda. Ingressou nos bombeiros com apenas 13 anos de idade e hoje ocupa o cargo de sub-chefe. É um dos fundadores da Associação Amigos BombeirosDistritoGuarda.com e diretor de informação do portal www.bombeiros.pt, orgão reconhecido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social.